Trilhas Jurídicas

DEVER DE RESPEITO E DEVER DE GARANTIA

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O princípio da dignidade traz consigo os deveres de respeito e de garantia. Confiram-se os ELEMENTOS DA DIGNIDADE HUMANA.

DEVER DE RESPEITO OU OBRIGAÇÃO NEGATIVA E DEVER DE GARANTIA OU OBRIGAÇÃO POSITIVA

O dever de respeito ou obrigação negativa impõe limites ao Estado, para que a dignidade humana seja preservada. O Estado não pode ultrapassar certas balizas, sob pena de ofensa ao dever de respeito. Esse avanço estatal compromete o elemento negativo da dignidade humana, segundo o qual fica proibido ao Estado dispensar às pessoas tratamento degradante, ofensivo ou discriminatório.

Já o dever de garantia ou obrigação positiva determina que o Estado promova as condições materiais mínimas para que os direitos humanos possam ser assegurados. Há, aqui, uma relação com o elemento positivo da dignidade humana, que prega a adoção de medidas estatais necessárias para a efetivação de direitos.

Os deveres de respeito e de garantia derivam do art. 1º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos1.

DEVERES DE RESPEITO E DE GARANTIA NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

No Caso Povos Indígenas Xucuru e seus membros vs. Brasil, a Corte Interamericana entendeu não bastar ao Estado brasileiro demarcar as terras indígenas e entregar os títulos das terras aos indígenas. O Estado brasileiro tem a obrigação de organizar todo o aparelho estatal, permitindo o exercício da posse pacífica. Assim, é preciso promover a desintrusão, isto é, retirar das terras todos aqueles que impedem os indígenas de exercer os direitos sobre a propriedade da terra.

Por isso, o art. 1º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos apresenta o dever de respeito ou a obrigação negativa de respeito, de modo que “(…) os Estados devem se abster de cometer atos que infrinjam os direitos e as liberdades fundamentais reconhecidas pela Convenção”2.

Além disso, o art. 1º, 1, da CADH também apresenta o dever de garantia ou a obrigação positiva de garantia, de modo que os Estados devem “(…) organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas mediante as quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos”3.

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DEVERES DE RESPEITO E DE GARANTIA E A RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

É interessante notar que o dever de respeito e o dever de garantia guardam forte proximidade com o princípio da segurança jurídica. Por quê? 

O princípio da segurança jurídica garante a estabilidade nas situações jurídicas, revelando-se fundamental para a confiança das pessoas na institucionalidade democrática. Essa confiança é essencial ao Estado de Direito, desde que as pessoas tenham uma real certeza a respeito dos direitos e das liberdades fundamentais4.

A ausência de segurança jurídica pode ser o resultado de aspectos legais ou administrativos, ou, mesmo, de práticas estatais que reduzam a confiança pública nas instituições (legislativas, judiciais e administrativas). Essas práticas estatais podem em geral significar redução no gozo de direitos e liberdades, provocando instabilidade no que toca ao exercício dos direitos fundamentais5

Assim, haverá segurança jurídica quando as pessoas tiverem a confiança de que os Estados partes na Convenção Americana de Direitos Humanos assegurarem o dever de respeito e o dever de garantia dos direitos humanos, dentro da jurisdição desses Estados6.

Suponhamos um caso de demarcação de terras indígenas. Cabe ao Estado não interferir na posse indígena sobre as terras (dever de respeito). Mas não apenas isso. O Estado deverá promover as medidas necessárias para que os indígenas exerçam a posse pacífica sobre as terras (dever de garantia), retirando do território pessoas que estejam ilegalmente nesse território tradicional.

Quando o Estado promove o dever de respeito e o dever de garantia, as pessoas passam a ter a confiança nas instituições estatais, as quais agirão para preservar os direitos e liberdades. É a crença na estabilidade democrática e no Estado de Direito. É, enfim, a concretização do princípio da segurança jurídica em matéria de direitos humanos.

Por isso, é correto afirmar que os deveres de respeito e garantia guardam bastante proximidade com o princípio da segurança jurídica. Respeitar e garantir direitos permitem que o Estado tenha a confiança das pessoas, as quais passam a desfrutar da estabilização das relações jurídicas e da legitimidade democrática das instituições estatais.

1 Confira-se o art. 1º, 1, da CADH: “Art. 1º. Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir (grifos meus) seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.
2 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Caso Comunidade Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil, sentença de mérito de 5 de fevereiro de 2018, §121. O dever de respeito ou a obrigação negativa de respeito também se encontram nos seguintes precedentes da Corte Interamericana: Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala, § 139; Caso Castillo González Vs. Venezuela, § 122; Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs. Honduras, § 208; e Caso Velásquez Paiz e outros Vs. Guatemala. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 19 de novembro de 2015, § 106.
3 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Caso Comunidade Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil, sentença de mérito de 5 de fevereiro de 2018, §121. O dever de garantia ou a obrigação positiva de garantia é encontrado, também, nos seguintes precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito, §§ 166-167; e Caso I.V. Vs. Bolívia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de novembro de 2016. § 207.
4 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil, sentença de mérito de 5 de fevereiro de 2018, §122.
5 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil, sentença de mérito de 5 de fevereiro de 2018, §122.
6 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil, sentença de mérito de 5 de fevereiro de 2018, §123.