Trilhas Jurídicas

DIGNIDADE HUMANA: FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

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A PRESENÇA DA DIGNIDADE HUMANA EM DISPOSITIVOS DA CF/88

O princípio da dignidade humana aparece em mais de uma oportunidade no texto da Constituição Federal de 1988. 

No art. 1º, III, da CRFB/88, o princípio da dignidade humana figura-se como fundamento da República Federativa do Brasil

No art. 170, caput, a dignidade humana – aí denominada de existência digna – revele-se como finalidade da ordem econômica.

O art. 226, §6º, por sua vez, estipula que o planejamento familiar deve-se fundar no princípio da dignidade humana

Segundo art. 227, caput, da CRFB/88, cabe ao Estado, à sociedade e à família, com absoluta prioridade, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à dignidade

O art. 230, caput, da CRFB/88 determina que o Estado, a sociedade e a família têm o dever de defender a dignidade das pessoas idosas.

Observa-se, portanto, que o princípio da dignidade humana, como fundamento da República Federativa do Brasil, incide sobre diversos ramos do direito e beneficia todas as pessoas, incluindo as pessoas em alguma situação de vulnerabilidade ou de discriminação (como idosos, crianças, adolescentes, idosos, mulheres).

Mesmo no seio das relações jurídicas de direito privado, o princípio da dignidade produz efeitos. No direito das famílias, por exemplo, o princípio da dignidade humana impede que se dê tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família1.

Ao se elevar o princípio da dignidade humana a fundamento da República Federativa do Brasil, a opção constitucional foi pela pessoa. Logo, todos os institutos jurídicos devem-se voltar à realização da personalidade. Esse fenômeno levou à despatrimonialização e à personalização dos institutos jurídicos, de tal sorte que a pessoa humana foi inserida no centro protetor do direito2.  

Portanto, o princípio da dignidade humana é uma fonte de onde brotam os direitos e garantias fundamentais3.

Confiram-se as LINHAS GERAIS DA DIGNIDADE HUMANA e a ORIGEM FILOSÓFICA DA DIGNIDADE HUMANA.

A PRESENÇA DA DIGNIDADE HUMANA EM DISPOSITIVOS DA CF/88

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem associado o princípio da dignidade humana a vários direitos fundamentais, em diferentes ramos do Direito, como, por exemplo:

a) Ao direito à não autoincriminação, no âmbito do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Nesse sentido, o delito de fuga do local do acidente (Código de Trânsito Brasileiro, art. 305) foi tido como constitucional. Isso porque o direito à não autoincriminação é um direito relativo, que pode ser objeto de restrição, desde que se respeite a dignidade humana do agente4.

b) À tipificação do crime de tortura contra crianças e adolescentes, no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art. 233). Segundo o Supremo Tribunal Federal, o referido crime de tortura implica ofensa à dignidade humana das crianças e dos adolescentes5.

c) Ao direito de não ser submetido à vacinação forçada contra a Covid-19, no âmbito do Direito Constitucional. No entanto, é possível a vacinação compulsória ou obrigatória. Assim, embora a pessoa não possa ser obrigada a se vacinar contra a Covid-19, é possível a adoção de medidas indiretas, como, por exemplo, a restrição de acesso a determinados lugares ou ao exercício de certas atividades. De qualquer forma, mesmo essas medidas restritivas devem respeitar a dignidade humana6.

d) À possibilidade de o Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, que consista na adoção de medidas ou na execução de obras emergenciais, em estabelecimentos prisionais. Essas medidas destinam-se a dar efetividade ao postulado da dignidade humana e a assegurar aos detentos o respeito à integridade física e moral, nos termos do que dispõe o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. Assim, contra esse poder-dever do Judiciário não é possível invocar o princípio da separação de poderes e a reserva do possível7

e) À impossibilidade de impedir a nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público, quando houver a suspensão dos direitos políticos por motivo de condenação transitada em julgado. Nos termos do art. 15, III, da Constituição Federal, ocorre a suspensão dos direitos políticos, enquanto perdurarem os efeitos da condenação criminal transitada em julgado. Essa hipótese de suspensão dos direitos políticos não impede a nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público, desde que o exercício do cargo não seja incompatível com a infração penal praticada. Esse direito à nomeação e posse, ainda que os direitos políticos estejam suspensos por força de condenação criminal transitada em julgado, decorre do princípio da dignidade humana e do valor social do trabalho (CRFB, art. 1º, III e IV) e do dever de o Estado em proporcionar as condições necessárias para a harmônica integração social do condenado, objetivo principal da execução penal, nos termos do art. 1º da LEP (Lei nº 7.210/84). Nesse sentido, o início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do juízo de execuções, que analisará a compatibilidade de horários8

f) Na reserva de vagas para negros em concurso público, quando se adotam, além da autodeclaração, critérios subsidiários de heterodeclaração (como, por exemplo, a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão de concurso). Portanto, esses critérios subsidiários de heterodeclaração devem observar o princípio da dignidade humana, além do contraditório e da ampla defesa9.

g) À impenhorabilidade da pequena propriedade rural (CRFB, art. 5º, XXVI) que caracterizar bem de família, ou seja, daquela pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 1 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 4 (quatro) módulos fiscais do município de localização. Segundo o Supremo Tribunal Federal, as regras de impenhorabilidade do bem de família e da pequena propriedade rural amparam-se no princípio da dignidade humana e visam à preservação de um patrimônio jurídico mínimo10

h) À proibição da censura prévia como manifestação da liberdade de expressão, informação e imprensa. O livre mercado de ideias se revela essencial ao desenvolvimento da dignidade humana. A tutela dos direitos da personalidade (como, por exemplo, a honra) deve-se dar, como regra, a posteriori11

i) À impossibilidade de se alegar a “legítima defesa da honra” como tese excludente da ilicitude. Essa impossibilidade decorre do princípio da dignidade humana (CRFB/88, art. 1º, III), da proteção da vida e da igualdade de gênero (CRFB/88, art. 5º, caput, e inciso I)12.

1 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização da família, pág. 72. Belo Horizonte: Del Rey, 2006; DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, pág. 60. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
2 TEIXEIRA, Ana Carolina B.; SÁ, Maria de Fátima F. de. Fundamentos principiológicos do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, n. 32, pág. 138-158, out.-nov. 2005, pág. 21.
3 MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional, pág. 455. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
4 STF, Plenário, RE 971959, Relator Ministro LUIZ FUX, julgamento no dia 14/11/2018.
5 STF, Plenário, HC 70389, Relator Ministro SIDNEY SANCHES, Relator para o acórdão Ministro CELSO DE MELLO, julgamento no dia 23/6/1994.
6 STF, Plenário, ADI 6586, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgamento no dia 17/12/2020.
7 STF, Plenário, RE 592581, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgamento no dia 13/8/2015. Tema nº 220. Tese de Repercussão Geral.
8 STF, Plenário, RE 1282553, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, julgamento no dia 4/10/2023. Tema nº 1190. Tese de Repercussão Geral.
9 STF, Plenário, ADC 41, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, julgamento no dia 8/6/2017.
10 STF, Plenário, ARE 1038507, Relator Ministro EDSON FACHIN, julgamento no dia 21/12/2020. Tema nº 761. Tese de Repercussão Geral.
11 STF, 1ª Turma, Rcl 63151 MC-Ref, Relator Ministro LUIZ FUX, julgamento no dia 21/11/2021.
12 STF, Plenário, ADPF 779 MC-Ref, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, julgamento no dia 15/3/2021.