Trilhas Jurídicas

DIMENSÃO OBJETIVA E DIMENSÃO SUBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS

DIMENSÃO OBJETIVA E DIMENSÃO SUBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS: LINHAS GERAIS 

Um dos critérios para diferenciar direitos fundamentais e direitos humanos é o do lugar onde tais direitos encontram-se previstos. Se a previsão do direito está em normas nacionais, fala-se em direitos fundamentais; se em normas internacionais, fala-se em direitos humanos.

No entanto, apesar de ainda ser utilizado em algumas provas objetivas de concursos públicos, esse critério de distinção é, hoje, objeto de muitas controvérsias. Isso porque os direitos, na grande maioria das situações, estão contemplados, ao mesmo tempo, em normas nacionais e normas internacionais. Logo, não faria mais sentido a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais (confira-se o item 3.1 deste Capítulo).

Em razão disso, em suas sentenças, a Corte Interamericana, em sua função de efetivação jurisdicional dos direitos humanos, tem se movido, em certa medida, dentro de um marco conceitual que guarda similitudes com a teoria geral dos direitos fundamentais. Esta última, sob a influência da dogmática constitucional alemã, parte da premissa de que os direitos fundamentais contam com uma dimensão subjetiva e uma dimensão objetiva.

Se atualmente os direitos fundamentais e os direitos humanos se confundem, a teoria geral dos direitos fundamentais, em muitos aspectos, pode vir a ser exportada para a análise sobre os direitos humanos. Nesse sentido, é possível se falar, também, em dimensão subjetiva e dimensão objetiva dos direitos humanos. 

A dimensão subjetiva abrange direitos públicos subjetivos, isto é, a possibilidade que a pessoa tem de invocar contra o Estado, e perante o Poder Judiciário, a norma jurídica protetiva de direitos. É aí que entra o direito que as pessoas têm a uma pretensão. Ex.: uma pessoa, vítima de tortura por agentes do Estado, tem o direito de exigir uma reparação do Estado e a punição dos responsáveis perante o Poder Judiciário. 

Confira-se o CONTEÚDO MÍNIMO DA DIGNIDADE HUMANA.

A dimensão subjetiva dos direitos humanos ou fundamentais, atualmente, envolve o direito a exibir uma abstenção (no caso, por exemplo, de se protegerem as liberdades públicas, como o direito de propriedade) ou uma atuação (quando for o caso de se garantir os direitos sociais, como a educação).

No entanto, em seu nascedouro, a dimensão subjetiva foi construída a partir do dever de abstenção do Estado em relação à pessoa. Trata-se de uma perspectiva liberal-individualista, em que ainda não se pensava no dever de atuação do Estado para a promoção dos direitos fundamentais.

Interessante que, mesmo os direitos individuais, que em geral exigem do Estado uma abstenção, também podem reclamar, em certas circunstâncias, uma atuação do Estado. Para que se proteja o direito à liberdade religiosa, não basta ao Estado se abster de desrespeitar a liberdade de culto. É preciso que o Estado se estruture, por meio de um Poder Judiciário garantidor, para que tal direito seja efetivado, mediante a punição de terceiros que, por exemplo, violem os cultos das religiões de matriz africana.

A dimensão objetiva, por sua vez, significa que os direitos são normas jurídicas que traduzem os valores que devem nortear o Estado e a sociedade. Nesse sentido, os direitos fundamentais participam da essência do Estado Democrático de Direito. Não são apenas simples direitos subjetivos de pretensão (dimensão subjetiva). 

A dimensão objetiva não desconsidera a garantia de proteção aos direitos subjetivos, nesse passo vindo a abranger a dimensão subjetiva. Mas vai além. A dimensão objetiva dos direitos humanos vem para dizer que tais direitos materializam os princípios objetivos básicos para o Estado democrático de direito.

Quando se fala no direito humano à liberdade de expressão e de pensamento, a dimensão objetiva dos direitos humanos protege, sim, o direito das pessoas em expressar as ideias. Mas vai além. A dimensão objetiva dos direitos humanos vai dizer que a liberdade de expressão e de pensamento, além de ser um direito do próprio divulgador das ideias, é, também, um direito de toda a coletividade de receber as ideias e informações.

A Corte Interamericana parece concordar com a dimensão objetiva dos direitos humanos. Vejamos como tal Corte interpreta o direito à liberdade de expressão e de pensamento.

Nos termos do art. 13, 1, da CADH, a liberdade de pensamento e expressão compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações. Quando se restringe indevidamente esse direito, a restrição atinge não só o direito de o indivíduo difundir informações (direito de cada indivíduo), mas, também, o direito da coletividade de receber informações e ideias (direito coletivo).

Confiram-se, a propósito, os FUNDAMENTOS INTERNACIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA.

Em outra oportunidade, agora no exercício da jurisdição contenciosa, a Corte Interamericana revelou que a liberdade de expressão e de pensamento contempla uma dimensão individual e uma dimensão coletiva

Na dimensão individual, a liberdade de expressão compreende não apenas o reconhecimento teórico do direito de falar e escrever, mas, também, o direito de se utilizar de qualquer meio apropriado para difundir o pensamento e fazê-lo chegar ao maior número possível de destinatário. Já, na dimensão coletiva ou social, a liberdade de expressão é vista como um meio para o intercâmbio de ideias e informações entre as pessoas. Neste último aspecto, temos o direito de comunicar-se a outros o ponto de vista próprio e o direito de as pessoas conhecerem opiniões, relatos e notícias.

Portanto, para além do simples direito individual de invocar uma pretensão (dimensão subjetiva), os direitos humanos apresentam uma dimensão objetiva, o lhes dá o sentido de grandes valores que iluminam a ordem jurídica. A dimensão objetiva abrange o indivíduo, mas vai além dele, para situar os direitos humanos no grande norte inspirador da atuação da coletividade e do Estado. 

É por isso que se fala em transubjetividade dos direitos fundamentais: estes últimos vão além de uma leitura individualista; de meros direitos subjetivos, os direitos fundamentais praticam um grande ato de dinástica, porque pulam do simples âmbito individual em direção a uma dimensão coletiva, também chamada de dimensão transubjetiva dos direitos fundamentais. Transubjetiva, porque vai além do sujeito, de modo que os direitos fundamentais devem ser encarados na sociedade, isto é, para além do plano individualista.

É por isso que, conforme já vimos logo atrás analisando a jurisprudência da Corte Interamericana, a liberdade de expressão, por exemplo, além do direito de a pessoa se manifestar, tem uma função coletiva: a de estabelecer um processo político marcado pela liberdade. 

No próximo subitem, veremos o arco de possibilidades e consequências que a dimensão objetiva dos direitos humanos apresenta.

DIMENSÃO OBJETIVA E DIMENSÃO SUBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS

CONSEQUÊNCIAS DA DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS 

Quando se considera que os direitos humanos possuem uma dimensão objetiva, representando os grandes valores que norteiam a ordem jurídica, há várias consequências possíveis que advêm dessa afirmação. Examinemos essas consequências fundamentais.

IMPOSIÇÃO DE DEVERES DE RESPEITO (ABSTENÇÃO) E GARANTIA (AÇÃO)

Como a dimensão objetiva aponta que os direitos humanos representam os grandes valores do Estado Democrático de Direito, surgem, daí, deveres de respeito (que em geral implicam abstenções) e de garantia (ação), para que tais direitos sejam protegidos.

No plano interno, quanto aos deveres de respeito ou de abstenção, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que, devido ao princípio da impessoalidade que governa a Administração Pública (CR/88, art. 37, caput), as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem-se abster de promover a demissão imotivada dos empregados públicos concursados, embora não se exija processo administrativo. Eis a tese de repercussão geral formulada em recurso extraordinário:

O direito à inviolabilidade domiciliar, previsto no art. 5º, XI, da CF/88, também é uma das formas de materialização do dever de respeito aos direitos humanos. A regra é de que ninguém pode ingressar na residência sem o consentimento do morador. Trata-se de um dever de abstenção, que atinge os agentes estatais e os particulares.

Para o Supremo Tribunal Federal, não há ilegalidade na ação de policiais militares que ingressam, sem mandado judicial, mesmo em período noturno, no domicílio daquele que corre, em atitude suspeita, para o interior da residência ao notar a aproximação da viatura policial. Essa ação policial, contudo, deve basear-se em fundadas razões, justificadas posteriormente, sobre a existência de flagrante do crime de tráfico de drogas na modalidade “ter em depósito”.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional a exigência, por normas de conselho profissional, do adimplemento das anuidades, como condição para o profissional se inscrever ou se manter inscrito no respectivo conselho profissional.

Essa exigência, segundo o STF, viola os seguintes dispositivos constitucionais: a) valores sociais do trabalho como fundamento da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, IV); b) ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em virtude de lei (CF/88, art. 5º, II); c) liberdade de trabalho, ofício ou profissão (CF/88, art. 5º, XIII); c) ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV); d) as anuidades profissionais são uma das espécies do tributo contribuições de interesse das categorias profissionais (CF/88, art. 149), não podendo ser utilizadas como sanções políticas, isto é, suspendendo o exercício profissional como meio indireto de cobrança de tributos.

Portanto, mesmo os conselhos profissionais têm o dever de respeito sobre o direito ao livre exercício profissional. Não se pode impedir o direito de profissão pelo simples fato de o profissional deixar de quitar as anuidades ao conselho profissional. Eis o dever de respeito ou de abstenção atribuído aos conselhos profissionais, para que direitos humanos sejam efetivados.

Se o dever de respeito aos direitos humanos implica deveres de abstenção, o dever de garantia implica ação, atuação. Esse dever de garantia envolve a adoção não apenas de medidas administrativas, mas, também, em certos casos, de medidas de cunho legislativo e até mesmo judicial.

Eis um caso interessante. Nos termos do art. 7º, XIX, da CF/88, trabalhadores rurais e urbanos têm direito à licença-paternidade, nos termos fixados em lei. Portanto, o gozo da licença-paternidade depende da regulamentação a ser feita por lei.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que existe omissão inconstitucional do Congresso Nacional na edição da lei regulamentadora da licença-paternidade. Fixou-se, então, o prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional supra a omissão, sob pena de, escoado o prazo, o próprio STF fixar o prazo de licença-paternidade.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a ausência de lei regulamentadora da licença-paternidade viola os seguintes direitos fundamentais: 

a) todos os cidadãos brasileiros, indistintamente, devem gozar do direito fundamental à licença-paternidade. O prazo de 5 dias de licença-paternidade, fixado pelo art. 10, §1º, do ADCT até que a lei seja criada, é insuficiente, ao não refletir os ganhos históricos da igualdade de gênero com vistas a uma situação mais igualitária. Logo, devem ser reavaliados os papéis atualmente desempenhados por homens e mulheres na sociedade;

 b) O efeito dirigente dos direitos fundamentais impõe um esforço coletivo dos agentes públicos e políticos, de forma ativa e prospectiva, de modo que se potencializem os efeitos das normas constitucionais.

* O efeito dirigente dos direitos fundamentais impõe um esforço cooperativo dos agentes políticos e dos agentes públicos, vinculados a todas as funções de poder, com o objetivo de concretizar e potencializar a eficácia das normas constitucionais, especialmente quando se tratar de direitos sociais expressamente previstos pelo legislador constitucional. É o caso, por exemplo, da licença-paternidade, em que a Constituição Federal, no art. 7º, XIX, estabeleceu a necessidade de lei para regulamentar esse direito fundamental.  Nessa hipótese, o Poder Legislativo foi instado pelo Poder Judiciário para legislar sobre a licença-paternidade. Os dois poderes, de forma cooperativa, unem-se para que um direito fundamental seja implementado.

c) A efetivação do direito fundamental à licença-paternidade reflete a importância da proteção à família (CF/88, arts. 226 e 227) e à infância (CF/88, arts. 6º e 203), além de concretizar a necessária divisão de responsabilidades entre homens e mulheres (CF/88, art. 5º, I).

Eis a tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal:

Nota-se que, em tema de licença-paternidade, o STF instou o Congresso Nacional a adotar medidas legislativas necessárias para a concretização desse direito. Caso o Congresso Nacional não o faça no prazo de 18 meses, o STF passa a concretizar o direito fundamental à licença-paternidade.

Eis o dever de garantia dos direitos humanos, que compreende a adoção de medidas administrativas, judiciais, legislativas ou de qualquer outra natureza, para que os direitos humanos sejam implementados.

Em geral estamos acostumados à implementação dos direitos humanos por meio de medidas administrativas. Não obstante, não são apenas as medidas administrativas que servem a esse propósito. Também podem ser adotadas para essa finalidade medidas legislativas e, até mesmo, de medidas judiciais. A reparação econômica por violação aos direitos humanos é, por exemplo, uma modalidade judicial específica de dever de garantia dos direitos humanos.

Os deveres de respeito e de garantia dos direitos humanos encontram-se previstos, também, no art. 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Segundo esse dispositivo, cabe aos Estados partes respeitar e garantir, sem discriminação, os direitos previstos na CADH. 

No que se refere propriamente ao dever de garantia, o art. 2º da CADH estabelece o dever de os Estados partes adotarem as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos os direitos previstos nessa convenção.

Em caso de detenção ilegal e tortura de uma pessoa, a Corte Interamericana considera haver a violação ao art. 7.1. da CADH, segundo o qual toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Trata-se de um dever geral de respeito, já que o Estado deve-se abster de violar esses direitos.

Esse direito geral de liberdade e segurança pessoais, que a CADH prevê no art. 7.1, deixará de ser observado, se houver qualquer conduta do Estado que viole os numerais seguintes do art. 7 (art. 7.2 a art. 7.7).

Portanto, em tema de prisão, temos o dever geral de respeito à liberdade e segurança pessoais, previsto no art. 7.1, que se materializa pelos direitos estipulados nos numerais 2 a 7 do art. 7 da CADH. Nesse sentido, como dever específico de respeito à liberdade e segurança pessoais, ninguém poderá ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários, nos termos do art. 7.3 da CADH. Além disso, ninguém poderá ser detido por dívidas, salvo por decisão judicial por inadimplemento de obrigação alimentar, nos termos do art. 7.7 da CADH.

É importante esclarecer que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, tal como estabelecido no próprio art. 1.1 da CADH, relaciona os deveres gerais de respeito e garantia dos direitos humanos ao princípio da igualdade e da não discriminação. Nesse sentido, qualquer violação ao direito geral de respeito e garantia será uma violação ao princípio da igualdade ou da não discriminação

No entanto, no caso específico, dada a relevância da função de notário, a Corte Interamericana entendeu ser indispensável a prova de um vínculo entre o pretendente à função e o Estado. Logo, não viola a Convenção Americana sobre Direitos Humanos negar a um estrangeiro o direito de exercer a função de notário público. 

Em um caso envolvendo negligência de um hospital público, por morte de uma mulher grávida com feto morto, a Corte Interamericana reconheceu que houve violação, entre outros, ao direito à saúde. Tal direito, assinalou a Corte, gera deveres estatais de assegurar o acesso das pessoas a serviços essenciais de saúde, com garantia de uma prestação médica de qualidade e eficaz, e com a garantir de impulsionar a melhoria das condições de saúde da população.

Nesse sentido, ninguém pode ser privado arbitrariamente do direito à vida (obrigação negativa), devendo o Estado garantir as condições para que esse direito possa ser exercido (obrigação positiva). 

Nota-se que, ao reconhecer obrigações negativas e positivas, ou seja, deveres de abstenção e de ação do Estado, a Corte Interamericana acabou entendendo que o direito à vida, e particularmente o direito à saúde, envolve deveres de respeito e de garantia por parte do Estado

Interessante notar que o referido caso envolveu violência obstétrica, isto é, não observância aos direitos humanos de uma mulher por ocasião do parto. A Corte Interamericana considerou violados os direitos civis à integridade e à vida em conjunto com o direito social à saúde. Considerou-se que os direitos civis e políticos não podem dissociar-se dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, devido às características de universalidade, indivisibilidade, independência e inter-relação entre os direitos humanos.

1 CONSEQUÊNCIA DA DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS

EFICÁCIA IRRADIANTE OU EFEITO DE IRRADIAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Outra consequência importante da dimensão objetiva dos direitos fundamentais é a eficácia irradiante ou efeito de irradiação dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais, como valores que devem ser observados,  norteiam toda a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais, bem como a prática de atos pelo Poder Público (sejam atos políticos, administrativos, judiciais) e por particulares nas relações privadas. 

Sobre a possibilidade de os direitos fundamentais irradiarem efeitos sobre as normas, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o princípio da presunção de inocência, em geral aplicável ao processo penal, produz efeitos também sobre normas do direito eleitoral

Os direitos fundamentais, no entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, incidem não apenas sobre o processo penal, mas a todos os processos que possam vir a trazer consequências à esfera jurídica das pessoas. 

Nesse sentido, não apenas sobre o processo penal; as garantias processuais aplicam-se a outros processos judiciais (cível, tributário, eleitoral) e a processos administrativos.

Fala-se, por isso, em devido processo convencional: os processos em trâmite em tribunais internacionais e em órgãos ou instituições internas devem observar as garantias processuais previstas em tratados internacionais de direitos humanos.

O Estado venezuelano impôs, pela via administrativa, a sanção de inabilitação ao exercício de funções públicas, de forma que o Senhor López Mendonza acabou sendo impedido de participar das eleições regionais de 2008.

Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, todos os órgãos que exerçam funções materialmente jurisdicionais, sejam de natureza penal ou não, têm que adotar decisões justas, baseadas no pleno respeito às garantias do devido processo estabelecidas no art. 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Além disso, segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, as sanções administrativas e disciplinares são, como as sanções penais, uma expressão do poder punitivo do Estado e possuem, em certas ocasiões, natureza similar a estas.

Isso significa que a presunção de inocência, que é um fundamento das garantias judiciais, aplica-se aos processos administrativos, impedindo que os julgadores atuem com ideia pré-concebida de condenação, cabendo a prova da incriminação a quem acusa.

Portanto, os direitos fundamentais irradiam efeitos sobre processos de qualquer natureza que venham a interferir sobre a esfera jurídica das pessoas.

2 CONSEQUÊNCIA DA DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS

APLICABILIDADE DIRETA

As normas que preveem direitos fundamentais possuem densidade normativa suficiente para ensejar a aplicação direta, mesmo na ausência de lei ou contra a lei, embora a mediação legislativa possa se mostrar relevante e seja por isso recomendável.

Isso quer dizer que, mesmo as normas constitucionais de eficácia limitada, cuja aplicabilidade dependa de regulamentação por lei, podem ser dotadas de algum grau de eficácia necessária para que o direito fundamental seja implementado.

A propósito, segundo o Supremo Tribunal Federal, embora o art. 7º, XIX, da CF/88 estabeleça que a licença-paternidade deva ser regulamentada pela lei, caso tal regulamentação não seja feita no prazo de 18 meses pelo Congresso Nacional, tal direito será diretamente concedido pelo Supremo Tribunal Federal, que fixará o prazo de duração da licença-paternidade.

EFICÁCIA VERTICAL, HORIZONTAL E DIAGONAL

Tradicionalmente, os direitos humanos foram invocados contra o Estado – seja, inicialmente, como um dever de abstenção do Estado para se assegurar, por exemplo, a liberdade de expressão e o direito de propriedade, seja, posteriormente, como dever de atuação, para assegurar os direitos sociais, como saúde e educação.

A eficácia vertical dos direitos humanos, nesse sentido, significa a possibilidade de se invocar os direitos humanos contra o Estado. Isso gera o dever estatal de respeitar e garantir os direitos humanos.

Conforme visto no item 10.1.2, os direitos fundamentais irradiam efeitos sobre todas as normas jurídicas e, também, sobre as relações jurídicas privadas.

Nasce, então, a eficácia horizontal dos direitos humanos, que é a possibilidade de que os direitos fundamentais se projetem nas relações entre particulares, os quais se apresentam em situação de hipotética igualdade jurídica.

A eficácia horizontal dos direitos humanos gestou-se, inicialmente, na Alemanha, vindo a sofrer forte reação nos Estados, com base na doutrina da state action, segundo a qual, por força da autonomia da vontade que deve imperar nas relações privadas, os direitos fundamentais só podem ser invocados contra o Estado.

A eficácia horizontal dos direitos humanos pode ser direta ou imediata e indireta ou mediata. Na direta ou imediata, os direitos fundamentais produzem efeitos sobre as relações jurídicas privadas, mesmo que não haja lei prevendo isso. Já, na indireta ou mediata, a projeção de efeitos depende de lei, a qual regulará a forma pela qual essa projeção ocorrerá. Os partidários da eficácia horizontal indireta ou mediata sustentam que a necessidade de lei, na hipótese, protege com mais força a autonomia da vontade, evitando ingerências indevidas do Poder Judiciário.

O Brasil, submetido ao sistema regional interamericano de direitos humanos, adota a eficácia horizontal direta ou imediata dos direitos humanos. Isso porque, nos termos do art. 1.1. da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Estado tem o dever de respeitar e garantir os direitos humanos, sem discriminação. Para tanto, devem ser adotadas medidas legislativas (e de outra natureza) que permitam a concretização de direitos (CADH, art. 2º). Daí que os direitos humanos devem ser efetivados mesmo contra a omissão ou vontade do legislador ordinário, o qual tem o dever de criar leis protetivas.

A eficácia horizontal dos direitos humanos parte do pressuposto hipotético de que os particulares, nas relações privadas, situam-se em posição de igualdade. Em um caso bastante importante, de regime de bens quando um dos cônjuges tem mais de 70 anos, entendeu-se pela incidência de direitos fundamentais na relação entre os cônjuges.

Nos termos do art. 1.641, II, do Código Civil, se um dos cônjuges tiver mais de 70 anos, será obrigatório o regime de separação de bens no casamento. O Supremo Tribunal Federal entendeu que essa norma não pode ser interpretada de forma absoluta, cogente. Ela prevalecerá se os cônjuges se mantiverem em silêncio. No entanto, é possível mudar o regime, se os cônjuges concordarem, já que a norma referida é norma dispositiva, não obrigatória.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, considerar obrigatório o regime da separação de bens, na hipótese, viola direitos fundamentais ligados à pessoa maior de 70 anos, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) e o princípio da igualdade (CF/88, art. 5º, caput). Isso porque a pessoa maior de 70 anos é plenamente capaz para a realização dos atos da vida civil e disposição dos bens. Segundo o art. 3º, IV, da CF/88, a República Federativa do Brasil tem por objetivo promover o bem de todas as pessoas, sem discriminação

Eis a tese de repercussão geral adotada nesse julgamento:

Portanto, os direitos fundamentais incidem sobre as relações entre dois cônjuges, mesmo contra a vontade do legislador. Isso indica que o Brasil adotou a eficácia horizontal direta ou imediata. 

Em um caso bastante famoso, o Tribunal Constitucional alemão admitiu que um particular propagasse o boicote de um filme que era uma propaganda antissemita, já a película retratava um judeu sombrio e traiçoeiro que representava um perigo para a sociedade alemã. 

A Corte Constitucional alemã considerou que os direitos fundamentais corporificam uma ordem axiológica objetiva, que vale para todas as áreas do Direito, mesmo para o Direito Civil. O boicote feito por um particular a uma obra antissemita encontra proteção no direito fundamental à liberdade de manifestação de opinião. 

Portanto, mesmo na relação entre particulares (divulgador do boicote X produtor da obra cinematográfica antissemita), incidem os direitos fundamentais – na hipótese, o direito fundamental à livre manifestação de opinião.

Quando os particulares estão, ao menos hipoteticamente, em pé de igualdade, fala-se em eficácia horizontal dos direitos humanos ou fundamentais.

Nas relações de consumo e nas relações trabalhistas, os particulares não estão em pé de igualdade. O trabalhador é presumidamente vulnerável em relação ao empregador; a mesma coisa se diz do consumidor em relação ao fornecedor.

A incidência dos direitos humanos nessas relações gera, então, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais. Se na eficácia horizontal os particulares estão no mesmo horizonte (em pé de igualdade, portanto), na eficácia diagonal os particulares encontram-se em desequilíbrio. Essa situação de desequilíbrio impõe que os direitos fundamentais incidam com maior força.

Em uma cafeteria situada dentro de um supermercado, dois homens, em relação homoafetiva, trocaram afetos, mediante olhares românticos e leitura de poemas. Devido a reclamação de um cliente, funcionários do estabelecimento se aproximaram do casal e pediram que os dois cessassem as cenas amorosas por respeito a outros clientes.

Nota-se que os dois homens travaram uma relação de consumo com o supermercado. A Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que as empresas são as primeiras encarregadas de adotar um comportamento responsável nas atividades que realizam, pois a participação ativa das empresas é fundamental para o respeito e a vigência dos direitos humanos. 

Nota-se que, numa relação de consumo, a Corte Interamericana aplicou os direitos relacionados à igualdade e não discriminação, à liberdade pessoal, à vida privada e à liberdade de expressão.

Em outro caso, envolvendo violação a direitos de trabalhadores que trabalhavam como mergulhadores para uma empresa – alguns desses trabalhadores inclusive vieram a falecer por problemas de saúde decorrentes do trabalho sem proteção -, a Corte Interamericana teceu considerações sobre a responsabilidade das empresas em matéria de direitos humanos, sobre o direito à vida e à integridade pessoal e sobre o direito ao trabalho e respectivos reflexos.

Nesses dois casos – um, em uma relação de consumo; outro, em uma relação trabalhista -, a Corte Interamericana entendeu que as empresas devem respeitar e garantir os direitos humanos da parte mais vulnerável da relação jurídica. Eis a projeção dos direitos humanos nas relações privadas em favor das partes mais vulneráveis (eficácia diagonal dos direitos humanos).

3ª CONSEQUÊNCIA DA DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS

REPERCUSSÕES NO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais, desenvolvida inicialmente no âmbito do constitucionalismo, acabou produzindo efeitos também sobre os direitos internacionalmente protegidos. 

Assim, a materialização de valores que a dimensão objetiva representa serviu, após a 2ª Guerra Mundial, para que doutrinadores se insurgissem contra o relativismo de valores praticado por nacionalismos. Os direitos humanos, então, são anteriores ao Estado e irrenunciáveis, porque se assentam na humanidade.

O referente transnacional dos direitos humanos revelou-se, a partir de 1945, como um marco para uma nova forma de relacionamento entre as normas jurídicas internas e internacionais, segundo um modelo de abertura mútua. 

Nesse sentido, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais não é ideia de propriedade apenas do Direito Constitucional, mas, também, atualmente, do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

É que há um regime objetivo dos direitos humanos, que representam os grandes valores que norteiam a comunidade internacional, com reflexos normativos sobre a ordem jurídica interna dos Estados.

Considerar a dimensão objetiva dos direitos humanos traz importantes reflexos no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O primeiro reflexo é considerar as normas jurídicas internacionais de direitos humanos como jus cogens, as quais materializam uma ordem internacional de valores que independe da vontade dos Estados.

Outra consequência importante de se considerar a dimensão objetiva dos direitos humanos, os quais são fontes de valores da comunidade e não simples direitos subjetivos, é que o dever de reparação é entendimento de modo bem amplo pela Corte Interamericana.

A reparação, portanto, não envolve apenas o dever de o Estado indenizar a vítima, mas, também, pode implicar o dever de o Estado adotar medidas de não repetição, o que envolve, naturalmente, a proteção contra violações futuras não só à vítima do caso, mas a terceiros também. 

As medidas de não repetição é o resultado de uma convergência entre três obrigações gerais dos Estados previstas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH): a) o dever geral de reparação, previsto no art. 63.1 da CADH; b) o dever de adequar o ordenamento jurídico interno, nos termos do art. 2 da CADH; c) o dever de garantia, materializado pelo dever de prevenção, segundo a interpretação que se confere ao art. 1.1. da CADH.

Quando o art. 63.1 da CADH reporta ao dever de reparar as consequências da lesão, indica-se a possibilidade de tomar medidas contra violações futuras. Isso foge à concepção clássica do Direito Internacional de que só se reparam as lesões provocadas pelo ato ilícito, o que vai ao encontro do princípio da prevenção. 

REPERCUSSÕES DA DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS HUMANOS SOBRE O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS