DIVERGÊNCIA ENTRE CORTES NACIONAIS E A CORTE INTERAMERICANA, NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: O PROBLEMA DAS LEIS DE ANISTIA
Segundo visto no estudo da GRAMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS, a proteção jurídica dos direitos humanos depende uma conjugação de elementos jurídicos internos e internacionais. Trata-se de mobilizar o corpus juris interno e internacional de direitos, de acordo com o entendimento da Corte Interamericana.
Nota-se que não basta verificar as normas jurídicas internas e internacionais. Faz parte do conteúdo dos direitos humanos aquilo que as instituições judiciais nacionais e internacionais disserem sobre o que corresponde uma proteção efetiva dos direitos humanos.
Há, aí, um pluralismo normativo e interpretativo. É claro que pode haver decisões diferentes sobre um mesmo tema. Se o Supremo Tribunal Federal proferir uma decisão sem analisar tratados internacionais e a jurisprudência da Corte Interamericana, é bem possível que o entendimento do STF pode colidir com o entendimento da Corte Interamericana.
É o que se passou com a análise sobre a Lei de Anistia brasileira (Lei nº 6.683/79), editada em 1979. O STF entendeu que essa lei foi recepcionada pela Constituição Federal de 19881.
A Lei de Anistia brasileira anistiou os crimes políticos e os crimes conexos praticados durante o período de 2 dezembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 (art. 1º). Ao estender a anistia aos crimes conexos, tal lei acabou anistiando as graves violações praticadas por agentes estatais no referido período, que compreendeu a ditadura civil-militar iniciada em 1964.
O Supremo Tribunal Federal entendeu pela não recepção da Lei de Anistia brasileira no dia 24 de abril de 2010. Meses depois, a Corte Interamericana, em julgamento envolvendo o Estado brasileiro, entendeu que referida lei violava direitos humanos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH)2.
Em argumentação sólida, a Corte Interamericana, já sabedora do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, fez uma separação interessante. Entendeu-se que o exame feito pelo STF limitou-se à análise da Constituição Federal de 1988 – questão de direito interno cuja análise não cabe à Corte Interamericana. A esta compete proceder ao controle de convencionalidade, isto é, à verificação da compatibilidade da Lei de Anistia brasileira com as obrigações internacionais do Brasil previstas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH)3.
Como, então, solucionar o referido impasse? Prevalece o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao entender que a Lei de Anistia não viola a Constituição Federal de 1988? Ou tem prevalência a decisão da Corte Interamericana, em que se compreendeu que a Lei de Anistia brasileira desrespeita a Convenção Americana sobre Direitos Humanos? É o que veremos no próximo subtópico.
TEORIA DO DUPLO CONTROLE OU DO DUPLO CRIVO DE DIREITOS HUMANOS
Para tentar solucionar a divergência entre decisões de Cortes Nacionais com a Corte Interamericana, criou-se a teoria do duplo controle ou duplo crivo de direitos humanos. Cada tribunal tem um âmbito específico de atuação. O Supremo Tribunal Federal verifica se a lei observa a Constituição Federal (controle de constitucionalidade). Já a Corte Interamericana analisa se a lei observa tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil (controle de convencionalidade).
Nesse sentido, segundo a teoria do duplo controle ou do duplo crivo de direitos humanos, a lei, para ser válida, deve passar pelos dois controles (constitucionalidade e convencionalidade). Se passar por um controle, mas não por outro, referida lei será nula.
Assim se confere aos direitos uma dupla garantia: o controle de constitucionalidade nacional e o controle e convencionalidade internacional. Isso significa que uma norma doméstica só será válida se passar incólume pelos controles. São dois filtros (de constitucionalidade e de convencionalidade). Assim se fortalece a proteção dos direitos humanos no Brasil4.
No exemplo, consegue-se visualizar que a Lei de Anistia passou pelo controle de constitucionalidade, já que, segundo o STF, tal lei observa a Constituição Federal. No entanto, referido diploma normativo, segundo a Corte Interamericana, deixou de acatar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que é um tratado internacional de direitos humanos.
Nessa ordem de ideias, a Lei de Anistia sobrevivendo ao controle de constitucionalidade, caiu diante do controle de convencionalidade. Caindo diante de um dos controles, tal lei esmoreceu perante a teoria do duplo controle. Logo, lei inválida, nula.
Em outras palavras, qualquer lei doméstica só sobreviverá no ordenamento jurídico, se observar os controles de constitucionalidade e de convencionalidade.
TEORIA DO CONTROLE INTEGRADO OU AGREGADOR
Não se nega a importância da teoria do duplo controle ou do duplo crivo de direitos humanos, para a solução de problemas jurídicos envolvendo direitos humanos. Trata-se de um mecanismo interpretativo engenhoso para solucionar as divergências que possa haver entre o Poder Judiciário nacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
No entanto, criei uma nova teoria para superar eventual divergência entre o Poder Judiciário nacional e a Corte Interamericana, na análise de temas de direitos humanos. É a teoria do controle integrado ou agregador, que decorre da análise que fizemos sobre a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Entendo que a teoria do duplo controle faz uma separação entre os controles de constitucionalidade e de convencionalidade. O Supremo Tribunal Federal se limitaria a fazer o controle de constitucionalidade, ou seja, a verificação de compatibilidade de uma norma doméstica com a Constituição Federal. Já a Corte Interamericana de Direitos faria apenas o controle de convencionalidade, ou seja, o exame de compatibilidade entre as normas domésticas e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
No entanto, a própria Corte Interamericana, para extrair o conteúdo jurídico de um determinado direito humano, mobiliza, simultaneamente, o corpus juris interno e o corpus juris internacional pertinente à matéria.
Como a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos é vinculante ao Brasil, a análise que o Poder Judiciário nacional fizer sobre os direitos humanos também deverá mobilizar os elementos jurídicos internos e internacionais. Caso as juízes e juízes nacionais não o façam, o Brasil infringirá tratados internacionais de direitos humanos, o que poderá gerar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro.
Portanto, ao examinar uma norma doméstica, o parâmetro superior de controle são as normas jurídicas internas e as normas jurídicas internacionais de direitos humanos. Não se trata de separar as duas análises. É uma análise conjugada, que obriga tanto o Poder Judiciário nacional quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Daí não ser possível fazer uma apreciação separada entre os controles de constitucionalidade e de convencionalidade. É preciso reunir, de forma junta, inseparável, ambos os controles, naquilo que denominamos de teoria do controle integrado ou do controle agregador.
Segundo a teoria do controle integrado ou do controle agregador, as normas domésticas devem ser analisadas segundo a proteção de direitos humanos contida no conjunto indivisível, inseparável do corpus juris interno e do corpus juris internacional referente à matéria.
Temos, então, as normas domésticas, que são o parâmetro inferior do controle. Já o parâmetro superior de controle não são apenas os tratados internacionais e outras normas jurídicas internacionais de direitos humanos, mas, também, as normas jurídicas internas de proteção aos direitos humanos.
Mesmo as decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal, protetivas de direitos humanos, e as decisões da Corte Interamericana podem vir a fazer parte desse parâmetro superior do controle integrado ou agregador.
Não é possível, assim, separar os controles de constitucionalidade e de convencionalidade, porque a Constituição Federal e a normatividade internacional, como parâmetros superiores do controle de transconstitucionalidade, devem ser levados em conta, de forma conjunta, tanto pelo Poder Judiciário nacional quanto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A análise conjunta sobre o corpus juris interno e internacional recebe a última palavra da Corte Interamericana, cuja jurisprudência, que analisa os ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de direitos humanos, gera um verdadeiro ius constitutitionale commune nas Américas5. Ou seja, há uma jurisprudência interamericana, provinda da Corte Interamericana, que vincula os Estados partes que se sujeitam à jurisdição da Corte Interamericana6.
Não obstante a última palavra em direitos humanos acabe sendo dada pela Corte Interamericana, que gera os padrões normativos interpretativos comuns aos países americanos, é importante registrar que o corpus juris interno e o corpus juris internacional devem ser analisados também pelo Poder Judiciário nacional. As juízas e os juízes nacionais se convertem nos primeiros juízes interamericanos, já que eles é que têm o dever primário de interpretar a legislação interna e internacional em matéria de direitos humanos7.
Assim, não é possível separar os controles de constitucionalidade (sobre a legislação interna) e de convencionalidade (sobre a legislação internacional), os quais, segundo a teoria do controle integrado ou agregador, devem ser reunidos para que sejam realizados em conjunto.
Dentro da exigência contida na própria jurisprudência da Corte Interamericana de o Poder Judiciário nacional e a própria Corte Interamericana procederem a uma análise integralizada do corpus juris interno e do corpus juris internacional, não se concebe, jamais, que, de forma isolada, o Poder Judiciário nacional proceda ao controle de constitucionalidade, e, também de forma isolada, a Corte Interamericana proceda ao controle de convencionalidade.
No caso da lei da anistia brasileira, tida como recepcionada pela Constituição segundo o Supremo Tribunal Federal, a solução não está em dizer que o STF fica com o controle de constitucionalidade, e a Corte Interamericana, com o controle de convencionalidade.
A solução, sim, está em dizer que o Supremo Tribunal Federal, no referido tema, procedeu apenas ao controle de constitucionalidade (e de maneira errônea, porque a CF/88 não admite a impunidade de graves violações aos direitos humanos). Deveria o Supremo Tribunal Federal, isto sim, submeter a questão ao controle de constitucionalidade e de convencionalidade, examinando, ao mesmo tempo, o corpus juris interno e o corpus juris internacional referente à matéria.
Ao examinar o corpus juris internacional, forçosamente o Supremo Tribunal Federal deveria verificar qual o posicionamento da Corte Interamericana em relação às leis de anistia, o que levaria à declaração de inconstitucionalidade (ou de não recepção) da lei de anistia brasileira.
Essa possibilidade interpretativa de integrar o corpus juris interno e internacional de proteção aos direitos humanos encontra-se presente na própria Constituição Federal de 1988.
Isso porque esta última, no art. 4º, II, estabelece que a República Federativa do Brasil se regerá, nas relações internacionais, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos. Nota-se que ela, Constituição, em matéria de direitos humanos, integra-se ao corpus juris internacional.
A propósito, essa integração entre a Constituição Federal de 1988 e o corpus juris internacional se refere a uma integração jurídico-política com os países da América Latina (CF, art. 4º, parágrafo único).
Observa-se, assim, que o art. 4º, II, e parágrafo único, da CF/88 permite uma perfeita integração entre a ordem jurídica interna e a ordem jurídica interamericana na proteção dos direitos humanos. Trata-se de uma integração a ser observada pela República Federativa do Brasil, da qual, naturalmente, faz parte todo o Poder Judiciário nacional, incluindo o Supremo Tribunal Federal.
Ao ordenamento jurídico brasileiro se incorpora, portanto, a ordem jurídica interamericana, cuja última palavra, em matéria de direitos humanos, é dada pela Corte Interamericana.
Essa última palavra dada pela Corte Interamericana tem uma razão de ser. Para conferir coerência e integridade à ordem jurídica interamericana, os grandes parâmetros dessa ordem jurídica deverão ser assinalados pela Corte Interamericana. Isso, contudo, não significa que a construção dessa ordem jurídica interamericana comum aos países americanos ignore o papel das instituições judiciárias nacionais. Ao contrário. Em sua jurisprudência, a Corte Interamericana tem construído a proteção dos direitos humanos com o apoio da análise jurisdicional realizada por altas Cortes nacionais.
Daí que a construção da jurisprudência interamericana se dá mediante a comunhão entre leis internas, Constituições nacionais e decisões do Poder Judiciário nacional, de um lado, e a normativa internacional, práticas de organizações internacionais e, principalmente, a jurisprudência da Corte Interamericana, de outro lado.
Nesses termos, o Poder Judiciário nacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos devem procedem a uma análise conjunta do corpus juris interno e do corpus juris internacional de direitos humanos. Aplica-se, portanto, a teoria do controle integrado ou do controle agregador.
Se o Poder Judiciário nacional, tal como ocorreu na análise da lei da anistia brasileira (ADPF nº 153), proceder apenas ao controle de constitucionalidade, a solução não está em acudir à teoria do duplo controle. Em outras palavras, não se pode invocar, no caso, que a decisão do Supremo Tribunal Federal passou pelo controle de constitucionalidade, mas não passou pelo controle de convencionalidade. É que não é concebível que uma decisão passe pelo filtro de um desses controles e não passe pelo filtro do outro.
Na verdade, esses dois controles são conjugados, integrados, por isso chamados de controle de transconstitucionalidade ou de transconvencionalidade. O controle de transconstitucionalidade ou de transconvencionalidade, ao mesmo tempo que vai além dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade, acaba perpassando por estes dois.
Na hipótese da ADPF nº 153, em verdade, o Supremo Tribunal Federal efetuou erroneamente o controle de constitucionalidade. Como a República Federativa do Brasil rege-se, nas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos (CF/88, art. 4º, II), nenhuma análise constitucional dispensa a análise do Direito Internacional dos Direitos Humanos, mais particularmente a jurisprudência da Corte Interamericana que integra os países americanos (CF, art. 4º, parágrafo único).
Portanto, à luz da teoria do controle integrado ou agregador, na ADPF nº 153, o Supremo Tribunal Federal não fez controle de constitucionalidade, já que não integrou as órbitas internas e internacionais de proteção aos direitos humanos. O problema há ser resolvido, portanto, não pela exigência de um controle duplo (de constitucionalidade e de convencionalidade), mas de um controle único, integrador, que reúna, ao mesmo tempo e de forma inseparável, o controle das normas domésticas com base no corpus juris interno e internacional de proteção aos direitos humanos. Eis o controle de transconstitucionalidade, que se afina com a teoria do controle integrador ou agregador, que jamais dispensa a análise conjunta e indissociável dos elementos jurídicos internos e internacionais de proteção aos direitos humanos.
Assim, poderíamos, é claro, dizer que, na ADPF nº 153, a lei da anistia passou pelo crivo da constitucionalidade, mas não pelo crivo da convencionalidade. Essa lei só seria válida se passasse por esse duplo crivo (teoria do duplo controle ou duplo crivo de direitos humanos). Essa é, reconheça-se, uma solução engenhosa, que muito auxilia na proteção dos direitos humanos. É que quem dá a última palavra em matéria de convencionalidade é a Corte Interamericana; logo, se a norma doméstica passar pelo crivo da constitucionalidade exercido pelo STF, mas não pelo crivo da convencionalidade realizado pela Corte Interamericana, essa norma será inválida, porque não passou pelo duplo crivo (teoria do duplo controle ou duplo crivo de direitos humanos).
No entanto, conforme a jurisprudência da Corte Interamericana analisada neste livro, o parâmetro superior de controle das normas domésticas, em matéria de direitos humanos, é a conjugação indissociável entre o corpus juris interno e o corpus juris internacional de proteção aos direitos humanos.
Quando o Supremo Tribunal Federal, em matéria de direitos humanos, limita-se a examinar o assunto à luz apenas da normatividade interna, a análise é incompleta. Isso porque a definição do âmbito de proteção dos direitos humanos depende da conjugação entre corpus juris interno e corpus juris internacional.
A propósito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, para entender o que seja grave violação ao direito de defesa no processo penal, conjugou a jurisprudência da Corte Interamericana e a CADH (corpus juris internacional) com decisões proferidas por Cortes Superiores nacionais (corpus juris interno)8.
Não é possível, portanto, extrair a proteção dos direitos humanos a partir de uma análise isolada do corpus juris interno nem de uma análise isolada do corpus juris internacional.
Poderíamos dizer que o controle sobre as normas domésticas seria duplo, porque agregaria os parâmetros superior do corpus juris interno e, depois, os parâmetros superiores do corpus juris internacional.
Mas, não.
O controle, na verdade, não é duplo, mas conjugado, mas integrado, mas agregado. Uma coisa, no exemplo acima, é analisar o direito de defesa apenas sob a ótica do direito interno ou do direito internacional. Em cada uma dessas análises poderíamos chegar a uma concepção diferente sobre a proteção conferida ao direito de defesa.
Diverso se passa quando o direito de defesa no processo penal é visto a partir da análise conjunta do corpus juris interno e do corpus juris internacional de direitos humanos. A configuração do direito de defesa, nesse empreendimento conjugado, será bem diversa.
Nesse sentido, há uma pluralidade de ordens jurídicas, as quais, à luz do transconstitucionalismo, relacionam-se complementarmente entre identidade e alteridade. Cada ordem jurídica se reconstrói a partir da relação com a outra. Há um entrelaçamento transconstitucional, de modo que a identidade de cada ordem jurídica é rearticulada a partir do inter-relacionamento com a outra ordem jurídica (alteridade). Na relação com a outra ordem jurídica (alteridade), cada ordem jurídica se reconstrói (identidade)9.
Por isso não é possível dizer que uma norma doméstica deva passar por um duplo controle – o de constitucionalidade e o de convencionalidade. Um controle de constitucionalidade, sozinho, poderia levar a resultado diverso em relação a controle de convencionalidade, também sozinho.
O correto, então, ao menos à luz da jurisprudência da Corte Interamericana, é aglutinar os corpus juris interno e internacional de proteção aos direitos humanos e, a partir dessa integração, obter os delineamentos do direito humano a ser protegido. Essa inter-relação permite que surja um produto normativo diverso caso considerássemos isoladamente o corpus juris interno e o corpus juris internacional. Os elementos jurídicos internos e internacionais, em vez de serem vistos isoladamente, acabam-se cruzando, o que faz surgir um novo corpus, resultado desse cruzamento.
Nesse sentido, ao considerar que a lei de anistia brasileira não viola a Constituição Federal, o STF, na ADPF nº 153, desobedeceu ao parâmetro superior de direitos humanos obtido a partir da conjugação inseparável entre o corpus juris interno e o corpus juris internacional. A decisão referida não passou pelo crivo da teoria do controle integrado ou do controle agregador, a qual, na verdade, representa o exercício daquilo que concebemos como controle de transconstitucionalidade ou de transconvencionalidade10 (verificação da compatibilidade de normas e condutas domésticas tendo como parâmetro de controle o conjunto compreendido pelo corpus juris interno e pelo corpus juris internacional de proteção aos direitos humanos).
Não houve, portanto, violação ao duplo controle, porque jamais se concebe, à luz da jurisprudência da Corte Interamericana, que uma norma doméstica seja cotejada exclusivamente com o corpus juris interno, ao menos no que se refere a temas relacionados a direitos humanos.
A decisão do STF, na ADPF nº 153, que supostamente realizou controle de constitucionalidade, na verdade não realizou controle algum. O controle das normas domésticas, em matéria de direitos humanos, exige sempre que a norma doméstica seja analisada à luz do corpus juris interno e do corpus juris internacional.
Essa exigência, conforme a jurisprudência da Corte Interamericana, é voltada não só à própria Corte Interamericana, mas também ao Poder Judiciário nacional. Quando este último verifica uma norma doméstica a partir do corpus juris interno apenas, ele, Poder Judiciário, em tema relacionado a direitos humanos, não está procedendo a controle algum. A teoria do controle integrado ou agregador, é um produto interpretativo resultante da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
1 STF, Plenário, ADPF nº 153, Relator Ministro EROS GRAU, julgamento no dia 29/4/2010.
2 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguai”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2.010 (mérito, reparações e custas).
3 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguai”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2.010 (mérito, reparações e custas), §49.
4 André de Carvalho Ramos. Processo Internacional de Direitos Humanos, pág. 436. 7ª ed. 2022.
5 Voto fundamentado do Juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, §§ 88, no seguinte caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Cabrera García Montiel Flores vs. México. Sentença de 26 de novembro de 2010 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas).
6 A partir de agora, a análise feita neste tópico será uma reprodução, com algumas poucas alterações, do que escrevi no livro: Curso de Hermenêutica dos Direitos Humanos. Editora Juspodivm. No prelo.
7 Voto fundamentado do Juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, §§ 87, no seguinte caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Cabrera García Montiel Flores vs. México. Sentença de 26 de novembro de 2010 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas).
8 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ruano Torres vs. El Salvador. Sentença de 5 de outubro de 2015 (Mérito, Reparação e Custas).
9 Marcelo Neves. Transconstitucionalismo, pág. XXV. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
10 Controle de transconsvencionalidade ou de transconstitucionalidade, porque vai além dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade. Para se aprofundar sobre o controle de transconvencionalidade ou de transconstitucionalidade, consulte: LIMA, Fernando Antônio de Lima. Curso de Hermenêutica dos Direitos Humanos. Editora Juspodivm. No prelo.
[…] Para se aprofundar ainda mais sobre o tema aqui exposto, confira-se a TEORIA DO DUPLO CONTROLE. […]