A indivisibilidade consiste em atribuir a mesma proteção jurídica a todos os direitos humanos, porque todos os direitos humanos são importantes para uma vida digna. Há duas facetas da indivisibilidade. A primeira indica que cada direito humano específico é incindível, indivisível. A segunda aponta ser impossível reconhecer apenas alguns direitos humanos e não reconhecer outros direitos humanos (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, pág. 70. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024).
A importância da indivisibilidade está em valorizar a proteção jurídica dos direitos sociais, econômicos e culturais (DESCAs) (saúde, educação, moradia, previdência social, assistência social, trabalho). Tradicionalmente, o Estado liberal confere maior importância aos direitos individuais, como, por exemplo, a propriedade, a honra, a liberdade de expressão. Dado o caráter indivisível dos direitos humanos, porém, todos os direitos humanos são importantes. Não se pode pensar em uma vida digna, reconhecendo-se alguns direitos e negando-se outros.
A interdependência ou inter-relação é a interação dos direitos humanos, com o objetivo de se assegurar as necessidades mais importantes das pessoas. Novamente aqui, não é possível reconhecer alguns direitos e negar outros. Por exemplo: se for reconhecido o direito à liberdade de expressão, mas negado o direito à saúde, dificilmente a pessoa conseguirá realizar o primeiro direito. Daí a inter-relação entre os diversos direitos, para que os direitos humanos sejam respeitados e garantidos.
Por meio da interdependência ou inter-relação, é possível, inclusive, extrair direitos humanos implícitos como desdobramento de outros direitos humanos reconhecidos explicitamente pelo ordenamento jurídico.
Tomemos como exemplo a reparação econômica pelo desvio produtivo do consumidor. Quando o consumidor perde parte de seu tempo existencial para solucionar, sem sucesso, um problema de consumo, é possível que tal consumidor seja indenizado economicamente. Essa forma de indenização não vem reconhecida expressamente no ordenamento jurídico, mas surge como uma decorrência ou desdobramento de outros direitos expressamente previstos, como, por exemplo: a) no plano interno: o reconhecimento dos direitos do consumidor como direitos fundamentais (CF/88, art. 5º, XXXII), o direito dos consumidores à reparação integral dos danos (CDC, art. 6º, VI); b) no plano internacional: direito dos seres humanos a aproveitarem utilmente o tempo livre (Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, art. XV).
Há vários diplomas jurídicos internacionais que reconhecem a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos. Em 1968, a Proclamação de Direitos Humanos da 1ª Conferência Mundial de Direitos da ONU, realizada em Teerã foi, o primeiro texto que reconheceu que “os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis, a realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais resulta impossível.
Adotada pela Resolução nº 41/128 da Assembleia Geral da ONU, no dia 4 de dezembro de 1986, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento estipulou que “todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes; a realização, a promoção e a proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais devem se beneficiar de uma atenção igual e ser encaradas com uma urgência igual (art. 6º, §2º).
Por sua vez, aprovada na 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU, em 1993, a Declaração de Viena estipulou que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase” (§5º).
A partir das características da indivisibilidade e da interdependência ou inter-relação, é possível afirmar que os direitos humanos, em seu conjunto, formam uma verdadeira unidade de direitos. A unidade é, portanto, uma característica dos direitos humanos que decorre da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos.
JUSTICIABILIDADE INDIRETA E DIRETA DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS (DESCAs)
Diplomas jurídicos internacionais estipulam que os direitos sociais, econômicos e culturais (DESCAs) devem ser garantidos de forma progressiva, de acordo com os recursos disponíveis. Assim preveem o art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o art. 1º do Pacto de San Salvador e o art. 2.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).
Em razão disso, para uma corrente de pensamento, não é possível ajuizar demanda judicial, principalmente no âmbito internacional, para obter-se a proteção judicial desses direitos.
Contudo, já se viu que os direitos humanos têm por característica tanto a indivisibilidade quanto a interdependência. Não é possível respeitar e garantir os direitos civis e políticos, que são direitos individuais, sem ao mesmo tempo garantir os direitos econômicos, sociais e culturais. Inviável proteger o direito à integridade física (direito individual), sem garantir o direito à saúde (direito social), por exemplo.
Em decorrência das características da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos, a jurisprudência internacional desenvolveu dois modos de justiciabilidade dos direitos sociais: a) modo indireto; b) modo direto.
O modo indireto consiste em proteger os direitos sociais, encarando estes últimos como uma decorrência dos direitos individuais. Ex.: o direito à saúde (direito social) é uma derivação do direito à integridade física (direito individual); o direito à identidade cultural dos povos indígenas é essencial para a própria sobrevivência desses povos, de modo que tal direito, de conteúdo sociocultural, deriva do direito à vida (direito individual).
O modo direito, por sua vez, consiste em atribuir proteção judicial autônoma aos direitos sociais, econômicos e culturais, sem a necessidade de se valer dos direitos individuais.
Inicialmente, a Corte Interamericana protegia os direitos sociais, econômicos e culturais, recorrendo ao modo indireto de justiciabilidade desses direitos. Nesse primeiro momento, as características da indivisibilidade e da indivisibilidade foram utilizadas para consagrar esse modo indireto de proteção judicial.
Interessante notar que as mesmas indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos foram utilizadas, posteriormente, pela Corte Interamericana, para promover o modo direito de justiciabilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais.
A propósito, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos permitem considerar que todos os direitos são importantes e se inter-relacionam. Os direitos econômicos, sociais e culturais (DESCAs), por exemplo, podem ser, de forma direta, objeto de proteção judicial; assim como se passa com os direitos individuais.
Nesse sentido, a proteção judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais não decorre de uma proteção dos direitos individuais. O direito à saúde (direito social) pode ser levado a juízo não porque derive do direito à integridade física (direito individual), mas porque ele, direito à saúde, é tão importante como o direito à integridade para uma vida digna.
Em razão disso, no Caso Lagos Del Campo vs. Peru, julgado no dia 31 de agosto de 2017, a Corte Interamericana promoveu uma virada jurisprudencial. Esse tribunal internacional passou a entender que a proteção judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais deve ser direta, autônoma, e não uma simples decorrência dos direitos individuais.
O caso se refere a uma demissão arbitrária do Senhor Alfredo Lagos del Campo, em razão de manifestações desse senhor na qualidade de presidente do Comitê Eleitoral da Comunidade Industrial da empresa Ceper-Pirelli. Considerou-se que essa demissão arbitrária, além de violar o direito à liberdade de expressão (CADH, art. 13), desrespeitou o direito social à estabilidade laboral, que é um direito social relacionado aos direitos trabalhistas.
Para a Corte Interamericana, é preciso reconhecer a indivisibilidade e a interdependência entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. Isso porque todos esses direitos devem ser compreendidos integralmente e de forma conglobada como direitos humanos, sem hierarquia entre si e exigíveis em todos os casos ante as autoridades competentes para apreciá-los (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lagos del Campo vs. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017 (Exceções Preliminares, mérito, reparações e custas), §141).
Assim, no Caso Lagos del Campo vs. Peru, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declara, pela primeira vez, a violação do art. 26 da Convenção Americana em relação ao art. 1.1. O primeiro dispositivo trata de forma genérica dos direitos sociais, econômicos e culturais. O segundo dispositivo estipula o dever de respeito e de garantia dos direitos humanos, sem discriminação.
Nesse sentido, para a Corte Interamericana, violou-se a estabilidade laboral do Senhor Lagos del Campo. Para tanto, esse tribunal internacional promoveu uma interpretação evolutiva do art. 26 da CADH, afastando-se da jurisprudência tradicional. Considerou-se, a partir daí, que o art. 26 da CADH não é meramente uma norma programática, mas uma disposição que impõe a obrigação de se remeter à Carta da OEA, de tal modo que se alcance a plena efetividade dos direitos que derivam das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura contidas na referida Carta (POISOT, Eduardo Ferrer Mac-Gregor. Voto concorrente, §3º, no seguinte julgamento: Caso Lagos del Campo vs. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017 (Exceções Preliminares, mérito, reparações e custas)).
Antes disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já protegia os direitos econômicos, sociais e culturais, mas, apenas, como direitos secundários ou indiretos de um direito civil ou político (direitos individuais) (CALDAS, Roberto. Voto fundamentado, §2º, no seguinte julgamento: Caso Lagos del Campo vs. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017 (Exceções Preliminares, mérito, reparações e custas).
No Caso Lagos del Campos vs. Peru, a Corte Interamericana, em 2017, continua a proteger os direitos econômicos, sociais e culturais, mas não mais como uma derivação dos direitos civis e políticos. Passou-se a admitir, portanto, a justiciabilidade plena e direta dos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCAs) (POISOT, Eduardo Ferrer Mac-Gregor. Voto concorrente, §1º, no seguinte julgamento: Caso Lagos del Campo vs. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017 (Exceções Preliminares, mérito, reparações e custas)) – e isso com base nas características da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos.
A justiciabilidade direta dos direitos econômicos, sociais e culturais, resultante da interpretação dada ao art. 26 da CADH, foi, posteriormente, reafirmada pela Corte Interamericana, nos seguintes casos: Caso dos Trabalhadores Despedidos da Empresa Petroperu (2017), Caso Poblete Vilches vs. Chile (2018) e Caso Miguel Sosa vs. Venezuela (2018).
MEIO AMBIENTE: JUSTICIABILIDADE INDIRETA (GREENING OU ESVERDEAMENTO) E JUSTICIABILIDADE DIRETA (MEIO AMBIENTE COMO DIREITO AUTÔNOMO)
A indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos também permitem a adoção de meios indiretos e de meios diretos de proteção ao meio ambiente.
Os meios indiretos, também chamados de greening ou esverdeamento, consistem em extrair a proteção ao meio ambiente a partir de direitos humanos expressamente tutelados por normas jurídicas, como a vida, a liberdade, a integridade física.
A crítica que se faz ao greening ou esverdeameno (modo indireto de proteção) é que o meio ambiente ficaria vinculado a um modelo antropocêntrico (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, pág. 1151. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024), isto é, voltado apenas à consagração de direitos ambientais relacionados ao ser humano. Os animais e a natureza não seriam titulares de direitos.
Atualmente, contudo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem consagrado o meio direto (justiciabilidade direta da proteção ao meio ambiente). Esse ponto de vista se baseia no art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que estipula o dever de os Estados conseguir, progressivamente, a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura. Acresça-se a isso o art. 11 do Protocolo de San Salvador, que assegura o direito a um meio ambiente sadio (art. 11).
A propósito, segundo a Opinião Consultiva nº 23/17, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que o direito ao meio ambiente encontra-se incluído entre os direitos econômicos, sociais e culturais consagrados pelo art. 26 da CADH (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 23, de 15 de novembro de 2017, solicitada pela Colômbia, §57).
Em termos formais, para chegar a essa conclusão, a Corte Interamericana invocou, em primeiro lugar, o art. 26 da CADH, que consagra direitos previstos em normas econômicas, sociais e culturais. Em seguida, como o art. 26 da CADH faz alusão à Carta da OEA, o direito ao meio ambiente sadio foi encontrado nesta última, complementada pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Anote-se que a própria CADH, no art. 29, d, estipula o dever de se adotarem as normas mais favoráveis previstas na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 23, de 15 de novembro de 2017, solicitada pela Colômbia, §57).
Em termos substanciais, a justiciabilidade direta do direito ao meio ambiente sadio é uma decorrência da indivisibilidade e interdependência dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais. Isso porque tais direitos devem ser entendidos integralmente e de forma conglobada como direitos humanos, sem hierarquia entre si e exigíveis em todos os casos perante as autoridades competentes para apreciá-los (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 23, de 15 de novembro de 2017, solicitada pela Colômbia, §57. No mesmo sentido, confira-se: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Habitantes de la Oroya vs. Peru. Sentença de 27 de novembro de 2023 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas), §25).
Assim, a justiciabilidade direta permite que o direito ao meio ambiente seja protegido como um verdadeiro direito autônomo (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 23, de 15 de novembro de 2017, solicitada pela Colômbia, §63), e não como um direito derivado de direitos dos seres humanos (meio indireto de proteção ou greening ou esverdeamento). Considerar o meio ambiente como direito autônomo significa proteger o meio ambiente não apenas como direito dos seres humanos, mas, também, como um direito que protege todos os componentes do meio ambiente, como os bosques, rios, mares e outros, ainda que não haja evidência de dano individual ao ser humano (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 23, de 15 de novembro de 2017, solicitada pela Colômbia, §62).
Em outras palavras, a proteção do meio ambiente não é uma simples decorrência da utilidade que se produz à vida, à saúde e à integridade física dos seres humanos. Trata-se, na verdade, de algo muito mais amplo, que leva em conta, também, a importância do meio ambiente para os demais organismos vivos com os quais o ser humano compartilha o planeta – organismos vivos, esses, também merecedoras da mesma proteção (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 23, de 15 de novembro de 2017, solicitada pela Colômbia, §62).
Portanto, atualmente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos consagra a justiciabilidade direta do direito ao meio ambiente sadio, considerado, portanto, como direito autônomo, e não uma simples derivação dos direitos civis e políticos. Esse entendimento leva em conta a indivisibilidade e interdependência entre todos os direitos humanos.
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