Veremos, agora, conforme o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, quais as instituições são obrigadas a fazer o controle de convencionalidade.
1º) Poder Judiciário nacional: o Estado tem o dever de cumprir os tratados e normas jurídicas internacionais. Como órgãos ou instituições do Estado que é, um verdadeiro longa manus ou uma verdadeira extensão do Estado, o Poder Judiciário nacional deve aplicar a normativa internacional de direitos humanos.
Assim, há uma obrigação dos juízes e tribunais internos em proceder ao exame da compatibilidade das leis domésticas com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Para tanto, as juízas e os juízes levam em conta não só a CADH, mas a interpretação que a Corte Interamericana emprega sobre o tratado (CORTE INTERAMERICANA. Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, §124).
As juízas e os juízes brasileiros não são apenas juízes nacionais, mas verdadeiros juízes interamericanos, com o objetivo de guardar não só a CADH e outros tratados e documentos internacionais de direitos humanos, mas, também, a jurisprudência e as opiniões consultivas da Corte Interamericana. Por isso, o Poder Judiciário brasileiro tem o compromisso de observar a jurisprudência interamericana, como é o caso dos seguintes entendimentos: proibição da anistia por violações graves dos direitos humanos, a punição do feminicídio, a punição do desaparecimento forçado, a proteção especial dos migrantes, das pessoas idosas, das pessoas com deficiência, a proteção especial dos povos indígenas e afrodescendentes.
A propósito, o Poder Judiciário nacional deve realizar o controle de convencionalidade mesmo de ofício (CORTE INTERAMERICANA. Caso dos Trabalhadores Demitidos do Congresso vs. Peru. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, §128). Pressupõe-se que as juízas e os juízes conhecem o Direito (iura novit curia).
2º) Todos os órgãos internos relacionados à administração da justiça: a Corte ampliou o dever de realizar o controle de convencionalidade. Além do Poder Judiciário nacional, os órgãos vinculados à administração da justiça também deverão realizar esse controle (CORTE INTERAMERICANA. Caso Cabrera García e Montiel Flores vs. México, sentença de 26 de novembro de 2010). Ex.: Defensoria Pública, Ministério Público, Advocacia Pública, CNJ.
3º) Todos os órgãos, instituições e poderes do Estado: a Corte fez essa nova ampliação, no seguinte caso: CORTE INTERAMERICANA. Caso Gelman vs. Uruguai. Mérito e Reparações. Sentença de 24 de fevereiro de 2011, §193. Ex.: Poder Legislativo e Poder Executivo também devem realizar o controle de convencionalidade. O Poder Legislativo, por exemplo, no âmbito das Comissões de Constituição e Justiça, nas quais se analisa não só a constitucionalidade, mas também a convencionalidade dos projetos de lei. O Poder Executivo, por sua vez, realiza controle de convencionalidade, na adoção de políticas públicas. Ex.: é preciso adotar ações afirmativas, para a inclusão da população negra.
11. ESPÉCIES DE CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE
O controle jurisdicional de convencionalidade se subdivide em: 1º) Controle jurisdicional de convencionalidade internacional; 2º) Controle jurisdicional de convencionalidade nacional ou de matriz nacional: a) difuso; b) concentrado.
Controle de Convencionalidade | ||
Internacional | Interno ou de matriz nacional | |
Concentrado | Difuso |
CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE INTERNACIONAL
É o exercido por um tribunal internacional de direitos humanos – no sistema regional interamericano, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
É importante esclarecer que as Cortes Internacionais de Direitos Humanos só atuam, se houver omissão ou falha dos Estados nacionais na proteção dos direitos humanos. Trata-se da atuação coadjuvante ou complementar do controle de convencionalidade internacional, prevista no preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebe, todos os anos, milhares de casos. Desses, pouquíssimos são enviados à Corte Interamericana. Dos enviados à Corte Interamericano, poucos ainda recebem provimento. Em 2014, por exemplo, a Comissão Interamericana recebeu 1.758 petições. Contudo, enviou somente 19 casos à Corte Interamericana. Em 2016, das 2.567 petições recebidas pela Comissão Interamericana, apenas 16 casos foram submetidos à Corte Interamericana (Estatísticas da OEA, 2017) (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis, pág. 124. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018).
Em razão disso, desde 2016, a Corte Interamericana inverteu as regras do jogo e conferiu aos juízes e tribunais internos que controlem, em primeira mão, a convencionalidade das leis, nos respectivos territórios. Os juízes estão mais próximos da realidade concreta. Logo, o autêntico controle de convencionalidade é o interno ou nacional. O internacional é complementar ou coadjuvante (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis, pág. 124. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018).
CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE INTERNO OU DE MATRIZ NACIONAL
O controle jurisdicional de convencionalidade interno ou de matriz nacional é a análise que os juízes (as) nacionais fazem para verificar a compatibilidade das normas internas em relação às normas internacionais de direitos humanos incorporadas ao Brasil, às opiniões consultivas e à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile: foi o primeiro caso no qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos usou a expressão “controle de convencionalidade” (2006).
Qual a importância do Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile para o controle de convencionalidade?:
1º) A Corte Interamericana estabeleceu, aí, o dever de o Poder Judiciário nacional exercer o controle de convencionalidade das normas internas em relação à CADH.
2º) O Poder Judiciário nacional, ao realizar o controle de convencionalidade, deve levar em conta: a) a CADH; b) a interpretação que a Corte Interamericana faz da CADH, porque a Corte Interamericana é a intérprete última da CADH (§124).
A) CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE JURISDICIONAL INTERNO CONCENTRADO
O controle de convencionalidade interno concentrado é aquele realizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal. Concentrado, porque se concentra no STF.
Essa espécie de controle adota como paradigma para o controle de convencionalidade apenas os tratados de direitos humanos com equivalência de Emenda Constitucional – aprovação segundo o procedimento previsto no art. 5º, §3º, da CF/88 (aprovação nas 2 Casas do Congresso Nacional, 3/5 do membros, 2 turnos de votação).
Para operacionalizar o controle de convencionalidade interno concentrado de normas domésticas em relação aos tratados de direitos humanos aprovados como normas equivalentes às emendas constitucionais, devem ser utilizados os mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade das leis (ADI, ADECON, ADPF, ADO). Em termos práticos:
a) ADI (Ação Declararatória de Inconstitucionalidade): transforma-se numa Ação Direta de Inconvencionalidade. Serve para invalidar uma norma doméstica que contraria o tratado de direitos humanos aprovado como norma equivalente a uma EC.
b) ADECON (Ação Declaratória de Constitucionalidade): transforma-se numa Ação Declaratória de Convencionalidade. Serve para garantir a compatibilidade de uma norma infraconstitucional a um tratado de direitos humanos aprovado com equivalência de emenda constitucional.
c) ADPF (Arguição de Descumprimento de Norma Fundamental): serve para declarar a inconvencionalidade de uma norma doméstica que viole preceito fundamental de um tratado de direitos humanos aprovado com equivalência de emenda constitucional. Interessante que o objeto da ADPF, no caso, poderia ser uma lei municipal ou, mesmo, um ato normativo anterior à entrada em vigor do tratado.
d) ADO (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão): o STF declara a inconvencionalidade, pelo fato de não existir medida destinada a tornar efetiva norma internacional de direitos humanos aprovada com equivalência de EC. Nesse caso, o STF, julgado procedente a ADO, dá ciência ao órgão competente para a adoção das providências necessárias e, no caso de órgãos administrativos, para fazê-lo em 30 dias.
Sobre o controle de convencionalidade interno concentrado, confira-se: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis, pág. 167 a 175. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
B) CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE JURISDICIONAL INTERNO DIFUSO
Controle interno de convencionalidade difuso é a verificação de compatibilidade de normas domésticas em relação aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil – verificação, essa, feita por todos (as) os (as) juízes (as) e tribunais nacionais, e no caso concreto.
Essa modalidade de controle de convencionalidade é feita no caso concreto. Ex.: o (a) juiz (a) nacional verifica, numa ação de obrigação de fazer, que uma lei municipal viola um determinado tratado internacional de direitos humanos e concede o direito pleiteado na petição inicial.
Quem realiza o controle interno de convencionalidade difuso é qualquer juiz (a) ou tribunal do Brasil. O STF, julgando um caso concreto (ex.: RE, HC), também poderá fazê-lo. Neste último caso, o controle de convencionalidade exercido pelo STF é o difuso. Não podemos nos esquecer de que o STF exerce, também, controle de convencionalidade concentrado, quando a norma paradigma é um tratado de direitos humanos equivalente às emendas constitucionais.
Os efeitos da declaração de inconvencionalidade, no controle difuso, são inter partes, e não contra todos. Isso porque o controle é difuso, feito num caso concreto. Não se trata de um controle concentrado abstrato, este sim com efeitos erga omnes (contra todos).
As normas jurídicas tidas como paradigmas no controle de convencionalidade difuso são as seguintes:
a) Tratados de direitos humanos NÃO equivalentes às emendas constitucionais – são os tratados materialmente constitucionais.
b) Tratados de direitos humanos equivalentes às emendas constitucionais – aprovados segundo o procedimento do art. 5º, §3º, da CF/88 (aprovação nas 2 Casas do Congresso Nacional, em 2 turnos e mediante 3/5 dos votos). São os tratados formal e materialmente constitucionais. Lembre-se: esses tratados também podem ser objeto de controle concentrado de convencionalidade.
Assim, um tratado internacional de direitos humanos aprovado com equivalência de emenda constitucional pode servir de parâmetro superior tanto do controle de convencionalidade interno difuso, quanto do controle de convencionalidade interno concentrado.
Já um tratado internacional de direitos humanos aprovado sem a equivalência de emenda constitucional só pode ser objeto do controle de convencionalidade interno difuso.
Sobre a existência do controle de convencionalidade interno no direito brasileiro, é importante o esclarecer o seguinte:
a) Controle de convencionalidade interno difuso: existe desde a promulgação da CF/88, em 5 de outubro de 1988, e da entrada em vigor dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil após essa data.
Isso porque compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais dos Estados, do DF e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência (CF/88, art. 105, III, a). O que se observa é que esse dispositivo constitucional já previa a possiblidade de julgamentos, em casos concretos, de lides nas quais houvesse a violação de tratados. O controle de convencionalidade, portanto, realizado em caso concreto, é o difuso, e já existe desde a promulgação da CF/88 e da entrada em vigor dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil após essa data.
b) Concentrado: como tem por objeto apenas os tratados de direitos humanos equivalentes às emendas constitucionais, o controle concentrado de convencionalidade passou a existir, apenas, quando foi instituída essa espécie de tratados de direitos humanos, no Brasil. Logo, com a promulgação da EC n. 45, no dia 8 de dezembro de 2004, passou a existir, no Brasil, o controle de convencionalidade concentrado.
Pode-se, por fim, afirmar que os tratados internacionais de direitos humanos: a) equivalentes às emendas constitucionais: podem ser objeto dos controles internos de convencionalidade difuso e concentrado; b) não equivalentes às emendas constitucionais: só podem ser objeto do controle de convencionalidade difuso.
Confira-se: CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: PACTO NACIONAL DO JUDICIÁRIO PELOS DIREITOS HUMANOS (CNJ), ORIGEM DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE, CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: FUNDAMENTO NORMATIVO, PARADIGMAS OU PARÂMETROS INFERIORES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE, PARADIGMAS OU PARÂMETROS SUPERIORES E O BLOCO DE CONVENCIONALIDADE, CONTROLE DE TRANSCONVENCIONALIDADE OU DE TRANSCONSTITUCIONALIDADE.