Trilhas Jurídicas

MÍNIMO EXISTENCIAL: CONTINUAÇÃO

MÍNIMO EXISTENCIAL

Antes de avançar por esta postagem, confira-se MÍNIMO EXISTENCIAL COMO DERIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA.

SUJEITOS PASSIVOS DO MÍNIMO EXISTENCIAL

Os sujeitos passivos do mínimo existencial são aqueles que têm o dever de respeitar e garantir os direitos humanos mínimos que propiciem uma vida digna a terceiros. 

Tradicionalmente, os direitos fundamentais foram vistos a partir da relação entre indivíduo e o Estado. Era o Estado o grande violador de direitos. Por isso, as pessoas poderiam opor seus direitos contra a atuação do Estado, naquilo que se denominou de eficácia vertical dos direitos fundamentais.

Isso significa que, em termos de garantia do mínimo existencial, cabe, tradicionalmente, ao Estado, assegurar as prestações materiais mínimas, para que os direitos humanos sejam garantidos. 

É possível, por outro lado, que o violador dos direitos humanos sejam os particulares, os quais, então, podem ser sujeitos passivos do mínimo existencial. Fala-se, então, em eficácia horizontal dos direitos humanos, de modo que o dever de respeitar e garantir os direitos humanos compete aos particulares. 

Há vários exemplos, na jurisprudência, em que o Poder Judiciário exigiu dos particulares uma atuação ou uma abstenção, para que o direito ao mínimo existencial fosse preservado. 

Assim, o Superior Tribunal de Justiça já garantia a impenhorabilidade de um imóvel no qual residia não a proprietária, mas a mãe idosa. Considerou-se que a Lei nº 8.009/90, que cuida da impenhorabilidade do bem de família, é um instrumento de tutela constitucional do direito fundamental à moradia. Isso significa que referida lei acaba por proteger o mínimo existencial para a vida digna, reforçando o papel hermenêutico que o princípio constitucional da dignidade humana deve atribuir às normas jurídicas1

Por outro lado, a impenhorabilidade do bem de família desaparece, na hipótese de fiança prestada em contrato de locação, nos termos do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90. 

Segundo o Supremo Tribunal Federal, referida norma não viola o direito ao mínimo existencial. Isso porque a livre iniciativa não pode encontrar limites no direito à moradia, quando o próprio fiador abriu deste último direito. Nesses termos, fixou-se a seguinte tese em recurso extraordinário com repercussão geral:

Entendemos, contudo, que o direito à moradia compõe o direito ao mínimo existencial. Esse conjunto de prestações mínimos necessárias ao atingimento de uma vida digna é irrenunciável, devendo prevalecer o direito à moradia em detrimento do princípio da livre iniciativa e da liberdade de contratar. 

Em outra situação na qual o particular deve ater-se ao mínimo existencial de outro particular, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o companheiro em união homoafetiva deve alimentos ao outro companheiro que esteja em situação precária e de vulnerabilidade2

Ainda em relação aos limites de intervenção do particular sobre o patrimônio de outro particular, o art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003, com a redação dada pela Lei nº 14.331/2022, possibilita o desconto em folha de pagamento do empregado, nos casos de empréstimo, financiamento, cartões de crédito.

No entanto, nos termos do referido art. 1º, §1º, da Lei n º 10.820/2003, para garantir a proteção do mínimo existencial do trabalhador, os descontos não podem superar 40% da remuneração do trabalhador.

Esses 40% ficam assim distribuídos: 35% para pagamento dos empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis, e 5% exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou de saque por meio de cartão de crédito consignado. 

Essa proteção ao mínimo existencial do trabalhador, conforme se viu, aplica-se aos descontos em folhas de pagamento na hipótese de financiamentos, empréstimos bancários, contratação de cartão de crédito consignado. 

Esse direito, contudo, segundo o Superior Tribunal de Justiça, não se estende aos descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que tais descontos incidam sobre salários, desde que haja autorização prévia do mutuário e enquanto essa autorização perdurar. 

Não se aplicam, portanto, por analogia, as limitações previstas no art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003, que diz respeito aos empréstimos consignados em folha de pagamento. Se no empréstimo consignado há limitações das partes quanto às condições de pagamento, no empréstimo comum as partes decidem livremente as condições de pagamento3.

Acreditamos que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça fere o direito ao mínimo existencial, principalmente se os descontos incidirem sobre verba salarial ou de benefício previdenciário do devedor. A instituição financeira não teria limites, podendo absorver todo o salário ou benefício previdenciário do devedor depositado em conta corrente. 

Se é possível a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas em geral (eficácia horizontal), essa incidência é ainda mais intensa, quando houver um evidente desequilíbrio fático ou jurídico nessas relações (eficácia diagonal dos direitos fundamentais ou humanos). É o que se passa, por exemplo, nas relações privadas regidas pelo Direito do Consumidor e pelo Direito do Trabalho. 

A garantia do mínimo existencial pelas empresas, a propósito, pode ser deduzida do Relatório temático sobre Empresas e Direitos Humanos: padrões interamericanos, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aprovado no dia 1º de novembro de 20194. Esse relatório – elaborado pela Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) –  foi aprovado pela CIDH no dia 1º de novembro de 2019

No item 42, página 40, referido relatório estipula que a dignidade humana é inerente a todas as pessoas e a base sobre a qual os direitos humanos são desenvolvidos. É sobre essa base que o campo dos negócios deve ser observado. 

Assim, a centralidade da dignidade humana deve nortear a atuação das empresas. Isso significa que as decisões sobre empresas e direitos humanos devem observar o princípio “pro persona”, de modo que se alcance a maior proteção aos direitos humanos e a menor limitação à realização dos direitos fundamentais5.

Em continuação, o referido Relatório da CIDH prevê o direito ao desenvolvimento, segundo o qual o desenvolvimento deve ser sustentável, com foco no bem-estar e nos direitos das pessoas e das comunidades – mais do que em estatísticas econômicas e comodities (item 45, págs. 41 e 42).

Portanto, quando o Relatório da CIDH estipula que as empresas devem limitar o mínimo possível a realização dos direitos fundamentais, conclui-se que há um piso mínimo de direitos a ser observado. Isso leva à inevitável preservação de um mínimo existencial, o que deve se observado mesmo no ambiente empresarial. 

SUJEITOS PASSIVOS DO MÍNIMO EXISTENCIAL

PROTEÇÃO JUDICIAL SOBRE O MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL

O direito ao mínimo existencial, caso não garantido pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo, pode ser exigido perante o Poder Judiciário. As normas jurídicas que preveem as prestações materiais mínimas em prol da dignidade humana não são normas programáticas, mas, sim, conteúdos normativos com plena eficácia e obrigatoriedade.

É comum que a Administração Pública alegue não ter os recursos necessários para efetivar os direitos fundamentais. Trata-se do argumento sobre a reserva do possível:  os direitos fundamentais só serão efetivados na medida das possibilidades fáticas e orçamentárias à disposição.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, contudo, a Administração Pública não pode alegar, de forma indiscriminada, a cláusula da reserva do possível, para se eximir das prestações materiais que componham o mínimo existencial. Isso porque o Poder Executivo se sujeita a obrigações constitucionais. Apenas justo motivo, objetivamente aferível, poderá, e sempre em caráter excepcional, eximir a Administração de fornecer alguma prestação material relacionada à efetivação de certos direitos fundamentais. 

A propósito, o Supremo Tribunal Federal já determinou que o Poder Executivo fornecesse professores especializados em libras em favor da educação de pessoas com deficiência auditiva. Considerou-se que o Estado estava em situação de inadimplemento em tema de políticas públicas com previsão constitucional, o que autorizaria a intervenção excepcional do Poder Judiciário. A cláusula da reserva do possível não poderia ser admitida para diminuir o núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais formado pela garantia do mínimo existencial. Portanto, é constitucional (isto é, de acordo com a Constituição) e convencional (ou seja, de acordo com tratados internacionais de direitos humanos) o rol de políticas públicas de inserção, na sociedade, das pessoas com deficiência6

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, em atenção ao princípio da dignidade humana, entendeu que a Administração Pública não pode invocar a reserva do possível em tema de garantia do mínimo existencial7, principalmente quando o direito é qualificado pelo legislador ou pela Constituição como direito com absoluta prioridade, como é o caso dos direitos das crianças e dos adolescentes8.

Em proteção ao mínimo existencial, o Supremo Tribunal Federal já determinou que o Poder Público implementasse o direito de acesso à água no semiárido nordestino9.

O Superior Tribunal de Justiça, em outra oportunidade, ao invocar o direito à proteção do mínimo existencial, estabeleceu a obrigação de o Estado instalar rede de tratamento de esgoto10

É certo que cabe, primariamente, ao Poder Executivo definir quais as melhores políticas públicas para a concretização do mínimo existencial. Devido ao princípio democrático e à separação de poderes, o Poder Executivo, escolhido pelo povo, é que tem a legitimidade necessária para atuar na implementação dos direitos fundamentais. 

Mas o princípio democrático apresenta também um conteúdo substancial, o que exige que os direitos fundamentais não sejam negligenciados pelo administrador público. 

Alegar a reserva do possível, a separação de poderes e a cláusula democrática, para se eximir da obrigação em fornecer o mínimo existencial, significa uma violação à Constituição Federal, particularmente ao princípio da dignidade humana e a tratados e outros documentos internacionais de proteção aos direitos humanos. 

Por isso é que o Poder Judiciário poderá determinar à Administração Pública a adoção de políticas públicas que assegurem a concretização dos direitos fundamentais, ao menos no que se refere ao mínimo existencial.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, se houver ausência ou deficiência grave de um serviço público, o Poder Judiciário poderá intervir em tema de políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais. Não há, aí, ofensa ao princípio da separação de poderes11.

Porque o Poder Judiciário não se encontra habilitado tecnicamente a implementar políticas públicas mais complexas, as juízas e juízes, em regra, em vez de determinarem medidas pontuais, devem apontar as finalidades a serem alcançadas. Para tanto, o Poder Judiciário deverá determinar que a Administração Pública apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar os resultados12.

Nesse sentido, é preciso que o Poder Judiciário adote técnicas flexíveis, permeadas pelo diálogo institucional, sem determinar, em geral, prestações materiais específicas13, em situações mais complexas.

Em matéria de saúde, por exemplo, o déficit de profissionais pode ser suprimido por concurso público, ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos públicos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP)14.

Em matéria de imposição de políticas públicas pelo Poder Judiciário, para assegurar os direitos fundamentais e mais particularmente a proteção do mínimo existencial, confiram-se as teses firmadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral:

(STF, Plenário, RE 684612, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, julgamento no dia 2 de outubro de 2023).

Quando, porém, a política pública for menos complexa, aí, sim, o Poder Judiciário deverá determinar que o Poder Executivo promove uma prestação material específica. É o caso, frequente no Judiciário, das ações de medicamentos: as juízas e os juízes estão habilitados a obrigar que o Poder Executivo entregue determinado medicamento solicitado pela parte-autora.

Ainda no que se refere à garantia do mínimo existencial, cumpre saber se o Poder Judiciário poderá determinar que o Poder Executivo atue, criando despesas não previstas na lei orçamentária. Em geral, a Administração Pública só poderá realizar despesas previstas na lei orçamentária, por força do princípio da legalidade orçamentária

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a falta de previsão orçamentária não impede o Poder Judiciário que proteja a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, isto é, direitos que compõem a garantia do mínimo existencial15

Ao contrário. Tratando-se de direito incluído no mínimo existencial, como no caso das prestações de saúde, o Poder Judiciário poderá estabelecer a inclusão de determinada pública nos planos orçamentários de determinado ente político, principalmente se não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa jurídica estatal16

Assim, o princípio da legalidade orçamentária não constitui impedimento para que o Poder Judiciário determine que o Poder Executivo promova as políticas públicas necessárias para a promoção do mínimo existencial.

PROTEÇÃO JUDICIAL SOBRE O MÍNIMO EXISTENCIAL

DIMENSÃO POSITIVA E DIMENSÃO NEGATIVA DO MÍNIMO EXISTENCIAL

O mínimo existencial apresenta duas dimensões. 

Por meio da dimensão positiva ou prestacional, a garantia do mínimo existencial exige uma atuação do Estado ou mesmo de particulares. Ex.: para garantir o mínimo de direitos à população de baixa renda, o Estado tem que fornecer prestações gratuitas de saúde e de educação, por exemplo.

Outro exemplo bastante interessante diz respeito à renda básica de cidadania, a qual, no que se refere às pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, auxilia na garantia do mínimo existencial

Segundo a Lei nº 10.835/2004, cabe a renda básica de cidadania: a) a qualquer brasileiro residente no Brasil ou estrangeiro residente no Brasil há pelo menos 5 anos (art. 1º, caput); b) a abrangência mencionada, porém, deve ser alcançada por etapas, devendo-se priorizar o pagamento da renda básica de cidadania às camadas mais necessitadas da população (art. 1º, §1º).

Caberá ao Poder Executivo federal estabelecer o valor do benefício (Lei nº 10.835/2004, art. 2º). Devido à omissão do Poder Executivo em regular esse assunto, um cidadão brasileiro, representado pela Defensoria Pública da União, impetrou mandado de injunção no Supremo Tribunal Federal contra a omissão da Presidência da República em implementar a renda básica de cidadania prevista no art. 1º da Lei nº 10.835/2004.

O Supremo Tribunal Federal, porém, só conheceu o mandado de injunção, no que se refere às camadas mais pobres da população (pessoas em estado de pobreza e em estado de pobreza extrema). Para as demais camadas da população, não há obrigatoriedade constitucional para a implementação da renda básica de cidadania17.  

Nesse sentido, o mandado de injunção foi parcialmente acolhido, para determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei 13.300/2016, implemente, “no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022)” , a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza – renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente – Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o PPA, além de previsão na LDO e na LOA de 202218.

Em outras palavras, o STF determinou que o Poder Executivo Federal implementasse a renda básica de cidadania em favor das pessoas em situação de extrema pobreza e pobreza. O objetivo é conceder uma renda mínima para garantir uma vida digna (mínimo existencial).

É possível dizer que o STF protegeu o mínimo existencial na hipótese, porque a decisão proferida se baseou em fundamentos constitucionais ligados ao combate à pobreza e à assistência aos desamparados (CRFB, art. 3º, 6º e 23, inciso X).

Nota-se, no caso, que a garantia do mínimo existencial exige prestações materiais do Estado, isto é, a concessão de uma renda básica pelo Poder Executivo Federal. Eis, aí, a dimensão positiva ou prestacional decorrente do mínimo existencial

A garantia do mínimo existencial, contudo, não se limita à adoção de medidas e de prestações materiais (dimensão positiva ou prestacional), mas, também, em algumas situações, a abstenção.

A propósito, por meio da dimensão negativa, a garantia do mínimo existencial exige uma abstenção do Estado ou mesmo de particulares. Vamos trabalhar com alguns exemplos. 

No campo do Direito Tributário, existe uma imunidade tributária implícita: a tributação não pode privar, as pessoas, daqueles bens e recursos que sejam indispensáveis a uma sobrevivência digna19

Assim, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, no caso de estrangeiro hipossuficiente, haverá imunidade tributária da taxa migratória20. Entendeu-se possível aplicar o princípio da capacidade contributiva às taxas. Essa aplicação se dá no sentido negativo, isto é, quando o sujeito passivo não apresenta patrimônio suficiente para recolher esse tributo. Há, aí, uma verdadeira barreira para a incidência do tributo21.

Segundo o STF, a Constituição Federal de 1988 reconhece direitos – incluindo a igualdade – ao estrangeiro (CF/88, art. 5º, caput). Se os nacionais, em algumas situações ligadas ao exercício da cidadania, têm direito à imunidade tributária das taxas, essa imunidade deve ser estendida aos estrangeiros, por força do princípio da isonomia.

Com efeito, a CF/88 prevê algumas situações de imunidade a taxas para os cidadãos brasileiros, no caso de pessoas reconhecidamente pobres (art. 5º, inciso LXXVI), bem assim para certos tipos de ações constitucionais, como habeas corpus e habeas data (art. 5º, inciso LXXVII). Essas imunidades de taxas fundamentam-se no exercício da cidadania.

Ora, para observar-se a isonomia, é possível que o estrangeiro hipossuficiente também seja imune à algumas taxas, quando em jogo o exercício da cidadania – como é o caso da referida taxa migratória. 

Portanto, a imunidade da taxa migratória, em favor do estrangeiro insuficiente, baseia-se em ao menos dois fundamentos: a) aplicação do princípio da igualdade, já que os nacionais brasileiros, em algumas situações de hipossuficiência financeira, também têm direito à imunidade em relação a algumas taxas: b) ausência de capacidade contributiva do estrangeiro em recolher a taxa migratória, o que, em última análise, ajuda a preservar o mínimo existencial.

Trata-se de um exemplo claro em que o Estado deve-se abster de cobrar um tributo, de forma que se preserve o mínimo essencial para uma vida digna do estrangeiro (elemento negativo do mínimo existencial).

O elemento negativo do mínimo existencial pode dirigir-se não só ao Estado, mas também aos particulares. Nesta última hipótese, deve-se garantir um patrimônio mínimo do titular do mínimo existencial. A teoria do patrimônio mínimo foi criada pelo Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. 

Alguns exemplos servirão para elucidar o tema. 

As instituições financeiras, nos contratos de empréstimo consignado, não podem descontar, na folha de pagamento, mais do que 40% da remuneração do trabalhador, para fins de pagamento da dívida22

Outro exemplo de aplicação da teoria do patrimônio mínimo e, por consequência, do elemento negativo do mínimo existencial, ocorre com o art. 548 do Código Civil. Segundo esse dispositivo, “é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”.

Por sua vez, a proteção do bem de família, dada pela Lei nº 8.009/90, abrange todas as obrigações do devedor, mesmo que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva23

DIMENSÕES DO MÍNIMO EXISTENCIAL

1STJ, 4ª Turma, REsp 950663, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgamento no dia 10.4.2012.
2STJ, 4ª Turma, REsp 1.302.467, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgamento no dia 3.3.2015.
3STJ, 2ª Seção, REsp 1.863.973 (rito dos recursos repetitivos, Tema nº 1085), Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgamento no dia 9 de março de 2022.
4Trata-se de um relatório elaborado pela Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
5STF, Plenário, ADPF 45 – MC, Relator Ministro CELSO DE MELLO, julgamento no dia 29.4.2004.
6STF, 2ª Turma, ARE 860.979-AgR, Relator Ministro GILMAR MENDES, julgamento no dia 14.4.2015, DJe de 6.5.2015.
7STJ, 2ª Turma, REsp n. 1.041.197-MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.8.2009, DJe 16.9.2009.
8STJ, 2ª Turma, REsp n. 440.502-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15.12.2009, DJe 24.9.2010.
9STF, 1ª Turma, AgReg no RE 658171, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, julgamento no dia 1.4.2014.
10STJ, 2ª Turma, REsp 1366331, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, julgamento no dia 16.12.2014.
11STF, Plenário, RE 684612, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, julgamento no dia 2 de outubro de 2023.
12STF, Plenário, RE 684612, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, julgamento no dia 2 de outubro de 2023.
13SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia, págs. 221 e 235. 2ª ed. 3ª reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
14STF, Plenário, RE 684612, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, julgamento no dia 2 de outubro de 2023.
15STF, 2ª Turma, RE 273.834, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento no dia 31.10.2000.
16STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp n. 1.107.511-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21.11.2013, DJe 6.12.2013.
17STF, Informativo nº 1014, de 30 de abril de 2021 – STF, MI 7300/DF, Plenário, Relator Ministro Marco Aurélio, Redator do acórdão, Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado no dia 26.4.2021.
18STF, Informativo nº 1014, de 30 de abril de 2021 – STF, MI 7300/DF, Plenário, Relator Ministro Marco Aurélio, Redator do acórdão, Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado no dia 26.4.2021.
19TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia, pág. 139. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
20STF, Informativo nº 1037, de 12 de novembro de 2021 – STF, Plenário, RE 10018911/RR, Tema 988, Relator Ministro LUIZ FUX, julgamento virtual finalizado no dia 10.11.2021.
21STF, Informativo nº 1037, de 12 de novembro de 2021 – STF, Plenário, RE 10018911/RR, Tema 988, Relator Ministro LUIZ FUX, julgamento virtual finalizado no dia 10.11.2021.
22Confira-se o art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003, com a redação dada pela Lei nº 14.331/2022.
23STJ, 4ª Turma, REsp 1.792.265-SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgamento no dia 14.12.2012.