Trilhas Jurídicas

PARADIGMAS OU PARÂMETROS SUPERIORES E O BLOCO DE CONVENCIONALIDADE

Declarações internacionais de direitos humanos

O parâmetro superior do controle de convencionalidade são as normas jurídicas internacionais de direitos humanos e a interpretação que a Corte Interamericana de Direitos Humanos confere a essas normas. Essas normas e essa interpretação são padrões normativos internacionais que devem ser observados pelas normas jurídicas internas.

Assim, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), que é um tratado internacional de direitos humanos, é parâmetro superior de controle de convencionalidade. Uma lei interna brasileira (parâmetro inferior) deve obedecer à CADH (parâmetro superior).

Por sua vez, o bloco de convencionalidade nada mais é do que o conjunto de elementos jurídicos que servem como parâmetros superiores de controle de convencionalidade. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), que é um tratado internacional de direitos humanos, serve como parâmetro superior do controle de convencionalidade e, por consequência, compõe o chamado bloco de convencionalidade.  

Cumpre saber se, além das convenções ou tratados internacionais de direitos humanos, há outros elementos jurídicos normativos que também compõem o chamado bloco de convencionalidade. Todo elemento normativo que compuser o bloco de convencionalidade servirá como parâmetro superior para o controle de convencionalidade, podendo servir de fundamento para invalidar uma norma jurídica interna.

Por meio do voto fundamentado do Juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, no Caso García Montiel Flores e outros vs. México, julgado pela Corte Interamericana de Direitos, há menção expressa ao chamado bloco de convencionalidade (POISOT, Eduardo Ferrer Mac-Gregor. Voto fundamentado no seguinte caso: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso García Montiel Flores e outros vs. México. Sentença de 20 de novembro de 2010). 

Nesse sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, outros tratados internacionais de direitos humanos aplicáveis aos Estados americanos, tudo isso compõe o bloco de convencionalidade (POISOT, Eduardo Ferrer Mac-Gregor, §§44 a 48. Voto fundamentado no seguinte caso: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso García Montiel Flores e outros vs. México. Sentença de 20 de novembro de 2010). 

A propósito, por jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos, devem-se compreender, além das sentenças desse tribunal, outros instrumentos decisórios, tais como: a) resoluções adotadas em medidas provisórias; b) resoluções adotadas em supervisão de cumprimento de sentença; c) resoluções adotadas em pedidos de interpretação de sentença – pedidos, esses, que são parecidos com os nossos embargos de declaração; d) as opiniões consultivas, as quais se destinam a interpretar a CADH e outros tratados internacionais de direitos humanos concernentes aos Estados americanos, nos termos do art. 64 da CADH (POISOT, Eduardo Ferrer Mac-Gregor, §49. Voto fundamentado no seguinte caso: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso García Montiel Flores e outros vs. México. Sentença de 20 de novembro de 2010). 

Nesse sentido, o Poder Judiciário nacional deve verificar se uma norma jurídica interna observa os elementos jurídicos que compõem o bloco de convencionalidade. 

Configuram parâmetros superiores de controle de convencionalidade, compondo o bloco de convencionalidade: 

1º) Tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil: trata-se das normas jurídicas internacionais por excelência, isto é, aquelas normas com força obrigatória e capazes de gerar sanções internacionais, caso descumpridas. Não há controvérsia alguma sobre a natureza jurídica obrigatória dessas normas jurídicas internacionais. 

2º) Declarações internacionais de direitos humanos: como a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (DADDH). Sobre a DADDH, é importante esclarecer o seguinte:

a) A DADDH é, segundo parte da doutrina, uma simples declaração de direitos, editada em formato de resolução na citada 9ª Conferência Interamericana (maio de 1948, Bogotá, Colômbia), e não um tratado internacional. A DADDH, portanto, é considerada uma norma de soft law, sem efeitos vinculativos, podendo, no entanto, auxiliar na interpretação de tratados internacionais de direitos humanos.

b) Norma de soft law é a norma (de Direito Internacional) sem efeitos vinculativos, capaz, contudo, de produzir alguns efeitos. Esses efeitos podem operar-se, por exemplo, no auxílio à interpretação a normas jurídicas vinculantes. Já a norma de hard law é a norma (de Direito Internacional) com efeitos vinculativos, capaz de gerar sanções ao Estado descumpridor. Essas sanções podem vir a ser aplicadas por Tribunais Internacionais ou, mesmo, por órgãos internos do próprio Estado descumpridor.  

c) Segundo a Corte Interamericana, a Assembleia Geral da OEA tem entendido, reiteradamente, que a Declaração Americana é uma fonte de obrigações internacionais para os Estados membros da OEA (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva nº 10/89, §43).

d) É possível, então, assinalar que a Declaração Interamericana contém e define aqueles direitos essenciais mencionados na Carta da OEA, que é um tratado internacional. Isso significa que não se pode aplicar os direitos humanos previstos na Carta da OEA sem que esta última seja conjugada com a Declaração, como é a prática seguida e reiterada dos Estados da OEA (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva nº 10/89, §43).

e) A DADDH prevê direitos específicos, como o art. XV, que protege o direito ao tempo existencial: “Toda pessoa tem direito ao descanso, ao recreio honesto e à oportunidade de aproveitar utilmente o seu tempo livre em benefício de seu melhoramento espiritual, cultural e físico”. Esse dispositivo pode fundamentar a teoria do desvio produtivo do consumidor, segundo a qual o consumidor, que perde parcela do seu tempo existencial para solucionar um problema de consumo, tem direito a ser indenizado.

3º) Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: é a que resulta do julgamento de casos contenciosos (jurisdição contenciosa da Corte Interamericana). Assim, o Poder Judiciário nacional deve analisar as normas jurídicas domésticas não apenas a partir da CADH, mas, também, segundo a interpretação que a Corte Interamericana confere à CADH. A Corte Interamericana é a intérprete última da CADH.

Quanto às decisões da Corte Interamericana, é preciso analisar dois institutos importantes:

a) Res judicata: o Estado se obriga a seguir a condenação da Corte, no caso em que tal Estado foi parte (controle de convencionalidade compulsório).

b) Res interpretata: o Estado deve seguir o entendimento que a Corte Interamericana adotou em outros casos semelhantes, mesmo que tais casos se referiram a outros Estados. A propósito, segundo a Recomendação CNJ nº 123, de 7 de janeiro de 2022, o Poder Judiciário brasileiro tem a obrigação de aplicar os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil, fazer uso da jurisprudência e, por fim, promover o controle de convencionalidade das leis internas. Nota-se que o Conselho Nacional da Justiça (CNJ), na hipótese, entendeu como controle de convencionalidade a verificação da compatibilidade das leis internas com os tratados de direitos humanos e com a jurisprudência da Corte Interamericana. Portanto, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos é parâmetro superior do controle de convencionalidade.

4º) Opiniões consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos: na função consultiva, a Corte Interamericana, de maneira abstrata, isto é, sem vínculo com um caso concreto: a) emite opinião ou parecer sobre a interpretação da CADH ou de outro tratado de direitos humanos em vigor nos Estados americanos (CADH, art. 64.1) (opinião consultiva de interpretação); b) emite opiniões ou pareceres sobre a compatibilidade das leis internas em relação aos tratados de direitos humanos em vigor nos Estados americanos (CADH, art. 62.2) (opinião consultiva de compatibilidade).

EXEMPLO: por meio da Opinião Consultiva nº 8/87, solicitada pela Comissão Interamericana, a Corte Interamericana considerou que o habeas corpus é uma espécie de garantia judicial que jamais pode ser suspensa, mesmo em situações de emergência. Para chegar a essa conclusão, a Corte interpretou o art. 27 da CADH, que cuida da suspensão de garantias em casos de emergências públicas, como guerras. 

As opiniões consultivas da Corte Interamericana são vinculantes? Duas correntes:

A) NÃO. A Corte interpreta abstratamente o tratado e realiza aferição de convencionalidade, e não controle de convencionalidade. Se a interpretação abstrata da Corte for descumprida, aí o Estado é acionado e a Corte, num caso concreto, ao condenar o Estado, promove o controle de convencionalidade.

B) SIM. Na opinião consultiva, a Corte Interamericana produz pareceres vinculantes. A diferença com o julgamento de casos (jurisdição contenciosa) é apenas no modo de realização. Nesta última, a Corte declara a violação e impõe medidas específicas contra o Estado, como a reparação econômica em favor das vítimas. Na jurisdição consultiva, a Corte apenas declara a violação, mas essa declaração vincula os Estados. Tanto que, em futuros casos concretos, a Corte segue suas próprias opiniões consultivas. Segundo a própria Corte Interamericana, “pareceres não têm o mesmo efetivo vinculante que se reconhece para suas sentenças em matéria contenciosa” (Corte IDH. Opinião Consultiva nº 1/82, §51). Tais pareceres não têm o mesmo efetivo vinculante em relação à jurisdição contenciosa porque aqueles são abstratos, e esta, de efeitos concretos. A propósito, segundo a Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões do Sistema Interamericano (UMF/CNJ), o Poder Judiciário nacional deve cumprir as decisões e deliberações da Corte Interamericana, isto é, não só as sentenças e medidas provisórias da Corte, mas, também, as opiniões consultivas. 

A propósito da tese sobre o caráter vinculante das opiniões consultivas, a facultatividade da função consultiva faria com que a jurisdição contenciosa não seria obrigada a aplicar as opiniões consultivas. Isso geraria incoerência no sistema, com prejuízo à segurança jurídica no entendimento dos direitos do sistema interamericano (LEGALE, Siddharta. Controle de convencionalidade consultivo? Um estudo em homenagem ao professor Sidney Guerra. In: Temas de direitos Humanos. Estudos sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, pág. 181.. 2ª ed. Rio de Janeiro: Núcleo Interamericano de Direitos Humanos, 2022, pág. 174 a 191). 

5º) Padrões internacionais aplicáveis à matéria em questão: tratados e declarações do sistema regional interamericano e do sistema global ou universal ou onusiano (Corte Interamericana. Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus Membros vs. Honduras. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 8 de outubro de 2015, §§ 211 e 225). Portanto, não só os tratados e declarações do sistema regional interamericano, mas, também, os tratados e declarações do sistema universal ou global são vinculativos, podendo servir como parâmetro superior de controle de convencionalidade. 


Parâmetro ou paradigma superior do controle de convencionalidade
Tratados internacionais de direitos humanos
Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem
Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Opiniões Consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Padrões Internacionais internacionais aplicáveis à matéria em questão

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

Bloco de constitucionalidade é o conjunto de elementos jurídicos que têm hierarquia constitucional. O bloco de constitucionalidade abrange, naturalmente, as próprias normas jurídicas contidas na Constituição e, também, outras normas jurídicas com hierarquia constitucional não contidas no texto da Constituição. Ou seja, quando uma norma jurídica faz parte do bloco de constitucionalidade, essa norma tem estatura constitucional, ainda que não pertença ao texto constitucional.

O bloco de constitucionalidade foi reconhecido pela primeira vez na decisão nº 71-44 DC, de 17 de julho de 1971, do Conselho Constitucional francês, apreciando questões relacionadas à liberdade de expressão. Reconheceu-se a estatura constitucional do preâmbulo da Constituição francesa de 1958. 

Esse preâmbulo fez remissão a outras normas jurídicas, as quais, então, segundo o Conselho Constitucional francês, também passam a parte do bloco de constitucionalidade. Eis, portanto, as normas jurídicas que não estão na Constituição Francesa, mas que, devido à remissão do preâmbulo, compõem o bloco de constitucionalidade: a) preâmbulo da Constituição francesa de 1946; b) Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. 

No ano de 2005, o preâmbulo da Constituição francesa foi alterado, de modo que tal preâmbulo passou a fazer remissão também à Carta do Meio Ambiente, a qual, também, passou a fazer parte do bloco de constitucionalidade. 

Uma norma que faça parte do bloco de constitucionalidade pode servir de parâmetro superior do controle de constitucionalidade e, assim, servir de fundamento para invalidar uma norma inferior. 

O bloco de constitucionalidade se subdivide em: a) bloco de constitucionalidade em sentido amplo; b) bloco de constitucionalidade em sentido estrito

O bloco de constitucionalidade em sentido amplo abrange vários tipos de normas não previstas na Constituição, como, por exemplo, os tratados internacionais de direitos humanos. 

Na visão do Supremo Tribunal Federal, apenas os tratados internacionais de direitos humanos, aprovados segundo o rito do art. 5º, §3º, da CF/88, fazem parte do bloco de constitucionalidade. Lembremos que, por meio desse rito, o tratado é aprovado nas 2 Casas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, com 3/5 de votos. 

Os demais tratados internacionais de direitos humanos têm força supralegal (acima das leis, abaixo da Constituição), de modo que não fazem parte do controle de constitucionalidade. Ou seja, tais tratados não têm natureza de norma constitucional. 

Nesse sentido, uma lei poderia ser submetida ao controle de constitucionalidade, se violar um tratado internacional de direitos humanos aprovado segundo o rito do art. 5º, §3º, da CF/88. O controle de constitucionalidade não poderia ser exercido (via ADI, por exemplo), se a violação for a um tratado de direitos humanos com força supralegal (ex.: Convenção Americana sobre Direitos Humanos). 

Portanto, o STF adotou o bloco de constitucionalidade em sentido restrito, de modo que os tratados internacionais de direitos humanos, que não observarem o rito do art. 5º, §3º, da CF/88, jamais farão parte do bloco de constitucionalidade. 

Entendemos, contudo, que o correto seria adotar o bloco de constitucionalidade em sentido amplo, para abranger os tratados não aprovados segundo referido rito. Isso porque a própria CF/88 confere força constitucional a normas de tratados que reconheçam direitos. A propósito, segundo o art. 5º, §2º, da CF/88, os direitos e garantias expressos na CF/88 não excluem outros direitos e garantias previstos em tratados internacionais em vigor no Brasil (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 133 a 171. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021).

Até hoje, temos 4 tratados internacionais de direitos humanos que compõem o bloco de constitucionalidade restrito, ou seja, com aprovação segundo o rito do art. 5º, §3º, da CF/88. Três do sistema universal e um do sistema regional interamericano:

1º) Sistema Universal: 

a) Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova Iorque, no dia 30 de março de 2007. Esse tratado conta com um vasto rol de direitos conferidos às pessoas com deficiência.

b) Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova Iorque, no dia 30 de março de 2007. Por meio desse Protocolo Facultativo, o Brasil passa a submeter-se ao sistema de petição das vítimas de violação de direitos. Assim, a vítima poderá submeter petições de violações de direitos das pessoas com deficiência diretamente ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

c) Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto Impresso. Esse tratado foi celebraso em Marracheque no dia 28 de junho de 20213.

2º) Sistema Regional Interamericano: 

a) Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, promulgado internamente no Brasil por meio do Decreto nº 10.932/22.

Confira-se: CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: PACTO NACIONAL DO JUDICIÁRIO PELOS DIREITOS HUMANOS (CNJ), ORIGEM DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE, CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: FUNDAMENTO NORMATIVO, PARADIGMAS OU PARÂMETROS INFERIORES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.