Trilhas Jurídicas

PLANOS DA VIGÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA

poder judiciario

PLANOS DA VIGÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA NO ÂMBITO DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS

Uma norma jurídica interna incompatível com um tratado internacional de direitos humanos mais protetivo é inconvencional ou inválida, com efeitos “ex tunc”, isto é, desde o momento em que tal norma foi editada. 

A partir do Estado Constitucional e Humanista de Direito, é possível identificar os seguintes conceitos: 

VIGÊNCIA ou VALIDADE FORMAL: é a adequação formal da norma jurídica interna com o procedimento constitucional legislação de formação dessa norma. Lei vigente é a lei existente, isto é, a lei que foi elaborada pelo Parlamento, sancionada pelo Presidente da República, promulgada e publicada no Diário Oficial da União.

VALIDADE ou VALIDADE MATERIAL: é a compatibilidade material da norma jurídica interna com a CF/88 e com tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Estado. Ex.: lei interna compatível com o princípio da igualdade.

EFICÁCIA: é a confiança que as pessoas têm de que a norma está sendo aplicada, está servindo na realidade social. O Poder Judiciário tem um papel fundamental para conferir eficácia à norma interna.

É importante esclarecer o seguinte: 

1º) Uma norma jurídica interna pode ser vigente, mas inválida: a norma encontra-se formalmente íntegra, mas viola, por exemplo, o direito à igualdade. 

2º) Uma norma pode ser vigente e válida, mas sem eficácia: a norma jurídica atendeu aos pressupostos formais de formação, atendeu aos princípios e normas substanciais da CF/88 e de tratados, mas não vem surtindo efeitos na realidade social. 

Ao reconhecer a inconvencionalidade de uma lei interna, isto é, que a lei interna não observa tratados internacionais de direitos humanos, o Poder Judiciário declara que essa lei é inválida, inconvencional, não podendo ser aplicada. Ataca-se o plano de validade material da lei interna. 

Por sua vez, ao reconhecer que uma lei interna está de acordo com os tratados internacionais de direitos humanos, o Poder Judiciário atua não só para declarar a VALIDADE MATERIAL da lei, mas, também, para conferir EFICÁCIA à referida lei, isto é, exigir que tal norma jurídica produza efeitos concretos na realidade social. 

Sobre vigência, validade e eficácia das leis segundo o controle de convencionalidade, confira-se: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis, pág. 126 a 142. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

DEVIDO PROCESSO CONVENCIONAL

Devido processo convencional é a adequação das normas processuais e procedimentais (internas e internacionais) às normas processuais e procedimentais previstas nos tratados de direitos humanos ratificados pelo Estado. 

Logo, devem observar as normas processuais e procedimentais previstas em tratados de direitos humanos: a) Os processos e procedimentos em trâmite no âmbito interno; b) Os processos e procedimentos em trâmite em Tribunais e órgãos internacionais. 

Sobre devido processo convencional, confira-se: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis, pág. 66 a 71. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Inconvencionalidade é o reconhecimento de que uma norma jurídica interna não observa os tratados e outras normas jurídicas internacionais de direitos humanos. Há duas espécies de inconvencionalidade:

a) Material ou substancial: normas do direito interno desrespeitam as previsões materiais previstas nos tratados internacionais de direitos humanos. Ex.: uma lei interna viola o princípio da igualdade ou da não discriminação previsto no art. 1.1 da CADH.

b) Formal ou procedimental (ou violação do devido processo convencional): normas processuais e procedimentais do direito interno e do direito internacional desrespeitam as normas processuais e procedimentais previstas em tratados de direitos humanos ratificados pelo Estado. Ex.: uma lei interna não permite que uma pessoa recorra a um tribunal superior, violando o art. 2, h, da CADH. 

A partir desses conceitos iniciais, é possível subdividir o devido processo convencional em: 

a) Internacional: é a observância, pelos órgãos e tribunais internacionais, às normas processuais e procedimentais previstas em tratados internacionais de direitos humanos. 

b) Interno: é a observância, pelos órgãos do Estado, às normas processuais e procedimentais previstas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado. Ex.: no Brasil, é a observância, nos processos judiciais e nos processos administrativos, às normas processuais e procedimentais previstas, por exemplo, na CADH.

DEVIDO PROCESSO CONVENCIONAL INTERNACIONAL

Devido processo convencional internacional é a observância, pelas instâncias internacionais, das normas processuais e procedimentais previstas nos tratados internacionais de direitos humanos. 

=> Exemplo: num processo instaurado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte e a Comissão Interamericana devem observar as normas processuais e procedimentais previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

DEVIDO PROCESSO CONVENCIONAL INTERNO

Devido processo convencional interno é a observância, pelos órgãos e poderes internos, das normas processuais e procedimentais previstas nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado.

=> Devido processo convencional interno, segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: 

1º) Processos criminais e não criminais devem assegurar as garantias judiciais previstas no art. 8º da CADH (juiz natural, juiz imparcial, presunção de inocência, ampla defesa, direito de não ser obrigado a depor-se contra si mesmo etc.). Caso em que a Corte Interamericana exarou esse entendimento: Caso Lopez Mendoza vc. Venezuela (sentença de 1 de setembro de 2011).

=> Consequência do não cumprimento das normas processuais da CADH, nos processos (penais, trabalhistas, administrativos etc.): inconvencionalidade formal ou procedimental.

A audiência de custódia é exemplo no qual o Brasil observou o devido processo convencional interno:

1º) Implantação da audiência de custódia, pelo Conselho Nacional de Justiça.

2º) O CNJ observou o art. 7º, §5º, da CADH, segundo o qual “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo”.

3º) O CNJ observou, também, o art. 9º, §3º, 1ª parte, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”.

4º) Resolução nº 213 CNJ, de 15.12.2015, art. 1º: “toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão”.

5º) Porém, a garantia da audiência de custódia já deveria ter sido implantada. Isso porque, desde 25 de setembro de 1992, já vigorava, no direito brasileiro, a CADH, cujo art. 7º, §5º, já previa essa garantia judicial.

=> Cabimento de embargos infringentes, nas ações penais originárias do STF julgadas procedentes, de forma não unânime, pela Turma ou Plenário do STF (RISTF, art. 333, inciso I): 

1º) Esse dispositivo respeita, ao menos em parte, a CADH, que garante a toda pessoa que for acusada de uma infração penal o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior” (CADH, art. 8º,1º, h). Em parte, porque a pessoa com foro por prerrogativa tem direito a novo julgamento, mas: a) apenas se a condenação for não unânime; b) a reapreciação do caso se dá pelo próprio STF, e não por outro tribunal.

2º) Caso Mensalão – STF – condenação dos réus – único julgamento, sem os embargos infringentes, viola o postulado do duplo reexame (STF, Emb. Inf. na Ação Penal 470/MG, voto do Min. Celso de Mello, j. em 18.9.2013).

=> Processos judiciais e não judiciais (administrativos, civis, trabalhistas, tributários etc.), em trâmite nos órgãos e poderes brasileiros, devem observar:

1º) Devido processo legal: normas internas processuais e procedimentais que garantam um processo legalmente hígido, íntegro, correto.

2º) Devido processo convencional: normas processuais e procedimentais previstas nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado.

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE COMPULSÓRIO 

Controle de convencionalidade compulsório é a adoção obrigatória, pelo Estado, da decisão proferida por Corte Internacional de Direitos Humanos, em caso envolvendo esse Estado específico.

Assim, quando condenado pela Corte Interamericana, o Estado, por todos os seus órgãos e instituições, deve cumprir a sentença da Corte Interamericana. 

Em outras palavras, cabe ao Estado, nessa hipótese, submeter-se ao controle de convencionalidade exercido pela Corte Interamericana, controle, esse, de observância compulsória. 

A propósito, no Caso Gelman vs. Uruguai, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu o seguinte: “quando existe uma sentença internacional ditada com caráter de coisa julgada a respeito de um Estado que tenha sido parte no caso submetido à jurisdição da Corte Interamericana, todos seus órgãos, incluídos os juízes e órgãos vinculados à administração da justiça, também estão submetidos ao tratado e à sentença deste Tribunal, o qual lhes obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção e, consequentemente, das decisões da Corte Interamericana não se vejam amesquinhadas pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade ou por decisões judiciais ou administrativas” (§68 – supervisão de cumprimento de sentença).

EFEITOS NEGATIVO (OU EFEITO DESTRUTIVO OU REPRESSIVO) E POSITIVO (OU EFEITO CONSTRUTIVO) DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

Segundo o efeito negativo ou destrutivo ou repressivo do controle de convencionalidade, a norma interna contrária à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) ou à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos é inconvencional ou anticonvencional, não podendo ser aplicada pelo Poder Judiciário. Desde o início de sua existência, essa norma jurídica interna inconvencional carece de efeitos jurídicos. 

Segundo o efeito positivo ou construtivo do controle de convencionalidade, o direito nacional deve ser interpretado a partir da CADH e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se de uma verdadeira reciclagem do direito local, partindo-se do pressuposto de que o direito local não se opõe à CADH e à jurisprudência da Corte Interamericana (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cabrera García e Montiel Flores vs. México. Sentença de 26 de novembro de 2010 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas), §233).

O efeito positivo ou construtivo busca manter a integridade da norma jurídica interna, de modo que esta última não seja declarada inválida, inconvencional. 

Isso significa que o efeito positivo ou construtivo do controle de convencionalidade dialoga profundamente com o princípio da interpretação conforme os direitos humanos

É que, segundo o princípio da interpretação conforme os direitos humanos, se houver vários sentidos possíveis da norma jurídica interna, o intérprete deve escolher aquele sentido que for compatível com as normas jurídicas internacionais de direitos humanos (LIMA, Fernando Antônio de. Curso de Hermenêutica dos Direitos Humanos, pág. 478. 1ª ed. São Paulo: JusPodvim, 2024). 

Por outro lado, se a norma jurídica tiver um sentido só, e esse sentido contrariar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nada mais resta do que declarar a invalidade ou inconvencionalidade dessa norma jurídica interna. Opera-se, aí, então, o efeito negativo ou destrutivo ou repressivo do controle de convencionalidade. 

Em razão dessas considerações, é possível afirmar que o efeito positivo do controle de convencionalidade e o princípio da interpretação conforme os direitos humanos só se aplicam em relação às chamadas normas polissêmicas ou plurissignificativas, isto é, às normas internas com mais de um sentido possível. 

Se o único sentido da norma for pela convencionalidade, aí se deve aplicar o efeito negativo, declarando-se a invalidade ou inconvencionalidade da norma interna.

Sobre o presente tópico, confira-se: SAGÜÉS, Néstor Pedro. El “Control de Convencionalidad” em el sistema interamericano, e sua anticipos em el âmbito de los derechos econômico-sociales, concordâncias y diferencias com el sistema europeo.  Disponível em: https://www.pj.gov.py/ebook/monografias/extranjero/derechos-humanos/N%C3%A9stor-Pedro-Sagu%C3%A9s-El-Control-de-Convencionalidad.pdf

Confira-se: CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: PACTO NACIONAL DO JUDICIÁRIO PELOS DIREITOS HUMANOS (CNJ)ORIGEM DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE, CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE: FUNDAMENTO NORMATIVO, PARADIGMAS OU PARÂMETROS INFERIORES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE, PARADIGMAS OU PARÂMETROS SUPERIORES E O BLOCO DE CONVENCIONALIDADE, CONTROLE DE TRANSCONVENCIONALIDADE OU DE TRANSCONSTITUCIONALIDADE e INSTITUIÇÕES E ÓRGÃOS INTERNOS RESPONSÁVEIS PELO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.