As normas jurídicas que contemplam os direitos humanos possuem superioridade normativa em relação às demais jurídicas. Essa superioridade jurídica das normas jurídicas de direitos humanos ocorre: a) no plano nacional: mediante a estatura constitucional dessas normas, com força de cláusula pétrea; b) no plano internacional: mediante o reconhecimento da natureza de jus cogens, quanto a algumas normas jurídicas internacionais de direitos humanos, ou mediante a aplicação do princípio da prevalência da norma mais favorável ao ser humano.
No plano nacional, portanto, as normas jurídicas que contemplam direitos humanos, quando previstas na Constituição Federal, são em geral normas constitucionais com força de cláusula pétrea. Não podem ser objeto nem mesmo de emenda constitucional que diminua significativamente a proteção jurídica do direito previsto na citada norma. Internamente, as normas constitucionais de direitos fundamentais possuem superioridade normativa sobre as demais normas jurídicas internas.
No plano internacional, as normas jurídicas também possuem superioridade normativa. Essa superioridade normativa pode ocorrer de duas maneiras: a) atribuindo a natureza de jus cogens para algumas dessas normas; b) possibilitando a aplicação do princípio da prevalência ou preferência da norma mais favorável.
Quanto ao primeiro aspecto, no Direito Internacional, a norma de jus cogens ou norma cogente ou norma imperativa em sentido estrito é a norma jurídica que contempla os valores essenciais para a comunidade internacional, vindo a prevalecer sobre as demais normas de Direito Internacional (RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional, pág. 190. 7ª ed. São Paulo: 2019).
Assim, no âmbito do Direito Internacional, a norma de jus cogens possui nítida superioridade normativa sobre as demais normas jurídicas de Direito Internacional. Essa superioridade normativa pode ser observada ao se analisar a Convenção Internacional sobre o Direito dos Tratados de Viena (CVDT, 1969), ratificada e incorporada internamente no Brasil por meio do Decreto nº 7.030/2009.
Nesse sentido, segundo o art. 53 da CVDT, é possível extrair as seguintes conclusões: a) um tratado internacional que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma de jus cogens será nulo; b) não é possível derrogar uma norma de jus cogens, a não ser por outra norma de jus cogens. Seguindo esse raciocínio, o art. 68 da CVDH estipula que, sobrevindo uma norma de jus cogens, qualquer tratado existente que esteja em conflito com aquela norma será nulo e, por consequência, será extinto.
Pôde-se, então, verificar o conceito de uma norma de jus cogens e as consequências jurídicas que esse tipo de norma produz no sistema jurídico. No entanto, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados não diz quais as normas jurídicas internacionais são normas de jus cogens. Esse papel coube à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foi esse tribunal internacional, seja no julgamento de casos concretos (jurisdição contenciosa), seja na emissão de opiniões consultivas (jurisdição consultiva), que trouxe alguns exemplos de normas de jus cogens. Esse rol, contudo, é exemplificativo ou não taxativo (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, págs. 83 e 84. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024):
1º) Princípio da igualdade e da não discriminação (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 18/03, §101; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus vs. Brasil, 2020, §182);
2º) Proibição absoluta de todas as formas de tortura (física ou psicológica) (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Azul Rojas Marín e outra vs. Peru, §140);
3º) Proibição de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Mulheres Vítimas de Tortura Sexual em Anteco México vs. México, 2018, §178);
4º) Proibição de desaparecimento forçado de pessoas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Goiburú e outros vs. Paraguai, 2006, §84);
5º) Proibição de escravidão e outras práticas semelhantes (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, 2016, §§ 249 e 342);
6º) Proibição da não devolução (proibição do rechaço; non-refoulement) (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva nº 21/14. §225 e Opinião Consultiva nº 25/18, § 181);
7º) Proibição de cometer ou tolerar violações graves dos direitos humanos de forma maciça e sistemática, incluindo execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e tortura (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, 2006, §99);
8º) Proibição de cometer crimes contra a humanidade e a obrigação associada de criminalizar, investigar e punir esses crimes (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Herzog e outros vs. Brasil, 2018, §§ 212 e 232).
Noticia André de Carvalho Ramos que, além dessas situações, há outras que também revelam, segundo a jurisprudência internacional, a proteção jurídica por meio de normas de jus cogens, como o princípio da autodeterminação dos povos e o princípio da proibição genérica do uso da força nas relações internacionais (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, pág. 84. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024).
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